Explicações sobre a «pessoa de bem»
A afirmação de Jaime Nogueira Pinto de que Salazar nos deixou um Estado concebido como «pessoa de bem» parece (eu não assisti ao programa, li as declarações no DN) ter sido proferida numa acepção económico-financeira. Discutamos então um pouco a política económica de Salazar. A pesca do bacalhau surge-me como uma metáfora forte desta política. Por que é que a pesca do bacalhau era tão importante? Porque as tentativas de industrialização do Estado Novo coexistiram com uma agricultura arcaica, resistente à modernização, que colocava sérios problemas ao abastecimento alimentar das cidades. E por que é que a faina no bacalhau manteve um carácter «heróico» até o ministro Dias Rosas, no marcelismo, liberalizar o seu comércio? Porque o Estado garantia a colocação de todo o produto da pesca no mercado nacional e a pressão para o investimento modernizador na frota pesqueira não existia. Na década de 60, quando as frota bacalhoeiras da Europa e da América do Norte usavam redes de arrasto, havia barcos portugueses que navegavam até ao mar gelado da Terra Nova, onde largavam os pescadores em dóris. Ou seja, pequenos botes individuais onde, com temperaturas muitas vezes negativas, um homem pescava bacalhau à linha. De vez em quando um bote voltava-se e não havia nada a fazer. As doenças mais frequentes resultavam do frio, mas também de um dos poucos entretenimentos, a ingestão do álcool (causava cirrose) e de não usarem luvas para salgar o bacalhau (infecções na pele).
A pesca do bacalhau no Estado Novo é uma imagem das perversões do seu sistema económico e das distorções do imaginário de aventuras. É absurdo que num país com figuras históricas que descobriram o caminho marítimo para a Índia e deram «novos mundos ao mundo» seja o mentor de uma caricatura miserabilista da epopeia marítima a ganhar, na televisão, o epíteto do maior português. Face ao resultado, o slogan da campanha não podia ser mais desastroso: «Só há lugar para um.»
Também suponho ter sido esquecido no debate que o Estado português, durante a II Grande Guerra, foi receptador de ouro nazi roubado aos judeus. Se um Estado receptador é «pessoa de bem», então a bitola está enterrada no lodo.
1 Comments:
Obrigado por não me citar, eu não quero que me tome como ntérprete autorizado do facciosismo do JNP. A tal acepção, se bem entendi, foi essa. Mesmo essa, como já sabe, me parece indefensável, tal como este post insiste.
E quanto a Cardia, quando me dá novidades?
Abraço
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