Rever o Revisionismo
Todos os participantes no debate que li concordam que vale a pena continuar a discutir estas questões: nomeadamente se o salazarismo era fascismo ou não, seja nos blogues, seja fora deles. Ou seja, pensam que vale a pena continuar a rever interpretações. São portanto a favor do revisionismo histórico. O que me dá satisfação, mas me faz duvidar: afinal o que debatemos?
Carlos Leone e Daniel Melo insistem na questão mais ampla da crise do liberalismo. Aqui, tal como Daniel Melo também eu tenho fortes dúvidas sobre uma excessiva insistência na peculiaridade peninsular - basta pensar em quantos regimes liberais sobreviviam em 1939. Esta velha tese do Sonderweg peninsular remonta, pelo menos, ao interessante volume de Raymond Carr, Spain: A History 1808-1975. Carr foi, por sinal, Warden de St Anthony em Oxford, onde se doutoraram uma série de estudantes portugueses, como Vasco Pulido Valente, Filomena Mónica e Rui Ramos. A questão do liberalismo tem sido - insisto - tema muito trabalhado por uma série de historiadores que têm revisto a história do final do Monarquia e das Repúblicas. Entre eles destaco Pedro Tavares de Almeida, com os seus trabalhos sobre a construção do Estado liberal e o caciquismo, ou Rui Ramos (que CL não chamou ignorante, mas cujo trabalho sobre a cultura política nacional dos séculos XIX e XX ele não dá mostras de ter em conta). Tal como Rui Ramos, e ao contrário de CL, creio que o liberalismo teve muita força na cultura política portuguesa durante o século XIX de que ficou um resíduo importante no século XX, apesar das crises, moderando muito e ao fim de poucos anos os excessos jacobinos da Primeira República e, mesnos mas alguma coisa, o autoritarismo do Estado Novo. (Embora me pareça que esse liberalismo foi, na maior parte dos casos, absorvido muito à portuguesa, ou seja, como uma nova ortodoxia pouco reflectida, e que hoje é vítima do seu próprio sucesso: algumas das suas noções básicas são aceites por todos, mas o conhecimento desta escola de pensamento político na sua riqueza é escasso.)
Carlos Leone insiste que se use o termo revisionismo no seu sentido próprio. Tal como ele, eu acredito na importância de uma história conceptual, ou seja, ciente dos conceitos e métodos que usa, atenta aos modelos teóricos de outras disciplinas. No meu entendimento, no entanto, é ele que usa o termo revisionismo de forma imprópria. Pois parece querer amalgamá-lo (e abjurá-lo) com o negacionismo, que é o oposto do revisionismo histórico, embora por vezes ambos sejam confudidos: a negação do Holocausto assenta na manipulação ideológica do passado, na tentativa de distorcer ou omitir factos bem documentados. Por coincidência há uns meses atrás o VPV deixou aliás bem clara a sua posição sobre esse assunto (e eu, por acaso, também). Sou pelo revisionismo e contra o negocionismo. Sou a favor da continuação do debate sobre o Salazarismo e o Fascismo (tema a que talvez volte), mesmo que seja evidente para mim que nesta altura prevalece entre os historiadores o consenso de que há que distinguí-los.
4 Comments:
Como dizia o Camarada Arnaldo: "Fôgo sobre o revisionismo. A Revolução há-de marchar a todo o vapor".
Vejo que o Bruno Cardoso Reis vem em forma das férias.
Aproveito para uma leal tréplica no Fuga, em:
http://fugaparaavitoria.blogspot.com/2006/08/da-natureza-do-salazarismo-reviso-da.html.
Saudações democráticas, DM.
Vejo que a pergunta que fiz «prefere 'democracia orgãnica' a 'fascismo'?» ficou sem resposta.
Quanto ao sentido de revisionismo, a questão é que eu nem reconheço intelectualmente o negacionismo (tão absurdo quanto as teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro), daí a diferença de interpretações, suponho. Mas tem razão sobre o que escreve quanto ao meu «não ter em conta» as coisas que o Rui Ramos escreve. De facto, quem escreve o que ele escreve sobre, por exemplo, o Sérgio, não entra nas minhas contas. O que não significa que não concorde com uma ou outra coisa, claro. Aliás, já disse quem acho que faz trabalho de mérito, se prefere outros autores, é legítimo. E boa sorte com a demanda pela definição de fascismo.
Até sempre
CL
Caro Maquiavel, grande honra a sua visita.
Obrigado Daniel, e devolvo o galhardete, irei ter em conta as achegas quando desenvolver a questão.
Caro Carlos Leone nunca disse nem acreditei que fosse possível chegar a uma definição indiscutível de fascismo, pensei, pelo contrário, ver no seu texto inicial essa demanda ilusória.
O uso da ideia de democracia orgânica pelo Salazarismo é realmente significativa, embora não signique, evidentemente, que fosse um regime democrático. Mas prefiro o termo Salazarismo: porque foi um regime de poder pessoal. E em termos mais genéricos prefiro o termo: regime autoritário de direita. Quanto a "reaccionarismo modernizador" parece-me um paradoxo que exige mais esclarecimentos do que esclarece, e "fascismo sem movimento fascista" também me suscita problemas.
Claro que o Carlos Leone pode simpatizar com os autores que entender, o que não me parece fazer sentido é falar de uma ignorância da questão da crise do liberalismo pela historiografia portuguesa quando este tem sido um tema tão trabalhado, entre outros pelo Rui Ramos.
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