O Papa Pio XI e o Nazismo
Em 1933, Pio XI assinou a Concordata com a Alemanha, depois de Hitler inesperadamente tomar o poder, com grande hesitação: o argumento fundamental foi que assim a Igreja teria o texto de um tratado para melhor se defender da esperada perseguição nazi. Desde 1934 que a imprensa vaticana, e a imprensa católica na maior parte dos países (inclusive Portugal), se envolveu numa polémica crescente com o nazismo e a respectiva máquina de propaganda.
Em 1937, na sua encíclica Mit Brennender Sorge [Com Ardente Preocupação], Pio XI denunciou a perseguição dos católicos alemães pelo nazismo, e condenou o culto do Estado e da Raça como uma idolatria incompatível com a fé cristã. Ela foi lida em todas as Igrejas Católicas da Alemanha (onde tal foi possível). Há quem defenda que esta encíclica explicitamente crítica do estado das coisas na Alemanha, por que não citar o nome de Hitler ou o nazismo, não ataca nenhum dos dois. Na época ninguém teve essas dúvidas. E que alguém as possa ter hoje parece incrível, mas é verdade. O papa dá-se ao trabalho de escrever um carta (encíclica) em alemão (uma língua difícil), dirigida aos católicos alemães, sobre a situação dos católicos na Alemanha, lida nas igrejas católicas alemãs, a denunciar o racismo e o totalitarismo de Estado, e não tinha o nazismo, que estava então no poder na Alemanha e que era ambas as coisas, como alvo! Parece uma coincidência um bocadinho inconcebível. Mas o anticatolicismo primário não se detém perante pormenores factuais como este.
De acordo com o mesmo raciocínio, o Vaticano também nunca se opôs a Estaline ou a Lenine visto que nenhum dos dois é citado nominalmente na encíclica Divini Redemptoris, também de 1937, atacando o comunismo. Na verdade as encíclicas não citam por regra estadistas presentes. Além de o nazismo (há apenas quatro anos no poder) ter então, e ainda hoje, um estatuto doutrinal mais ambíguo que o comunismo, havia ainda um pequeno problema prático: atacar explicitamente Hitler e o Partido Nazi na Alemanha em 1937 era um crime. Pio XI exigiu grande coragem dos padres e bispos alemães que leram a encíclica, pedir-lhes que cometessem suicídio talvez fosse um bocadinho demais.
Pio XI, apesar de já estar mortalmente doente, empenhou-se em combater as leis raciais italianas de 1938, tendo o Vaticano e a imprensa católica levou a cabo uma campanha contra elas. O embaixador português tem por esta altura uma derradeira audiência com o papa. Eis o registo que deixou do essencial das palavras de Pio XI: "«Resista, Portugal, e defenda-se de certas insinuações, insinuações pérfidas» (absolutamente textual) «que podem prejudicá-lo gravemente e tendem à desorganização do mundo e à desorientação das almas. É preciso que resista», diz o Santo Padre, com os olhos firmados nos meus, energicamente. Aproveitei um instante de silêncio para intervir, dizendo: Portugal resiste e resistirá porque é cristão e tem quem o dirija. Pio XI repete: «mas aquelas insinuações ne sont pas que trop perfides et dangereuses.» Portugal, digo eu, conhece bem o veneno do bolchevismo. Então o papa - sem a menor surpresa para mim, seja dito - interrompe e diz, com firmeza e uma pontinha de contrariedade: «Mas eu não me refiro ao comunismo, refiro-me ao racismo, ao nazismo criminoso que perverte as almas …, etc.» Calei-me […] numa expressão de filial e respeitoso interesse por todas as invectivas de Sua Santidade contra o regime alemão…"
5 Comments:
Pedagógico, dada a ignorância militante sobre estas matérias.
estou de acordo com o comentário anterior mas a pedagogia deveria, pelo menos em países como a Polónia, começar dentro da própria Igreja. é pena que nesse país a rádio católica mais importante, Radio Maryja, negue o holocausto e seja a fonte mais importante de propaganda anti-semita. o própio Papa já mostrou a sua preocupaçao mas parece que nao é suficiente.
Os meus parabéns por este blogue. As posições aqui expressas são sensatas, ponderadas e informadas. A blogosfera padece dum excesso de paixões que não leva a nada. É bom encontrar uma excepçáo.
Alfredo
Obrigado Luis e Alfredo.
Estou de acordo, pelo que li, quanto a Radio Maryja. A virtude, mas também por vezes o problema com o catolicismo, é a sua enorme diversidade. Mas ela tem de ter limites em casos desse tipo.
A coisa não é tão simples assim...
Vamos a factos:
1 - Não foi a Igreja Católica a única Igreja cristã a pedir aos seus fiéis que celebrassem e festejassem o aniversário de Hitler? Foi.
2 - Não foi a Igreja Católica aquela que, em menos de 6 meses, assinou uma concordata com Hitler? Foi.
3 - Não foi a Igreja Católica Alemã que expressou publicamente e oficialmente a sua total adesão à luta de Hitler contra o comunismo, declarando empenhar-se com todos os seus poderes sagrados nessa luta? Foi!
4 - Não foi a Igreja Católica da Alemanha e da Áustria que concederam o acesso aos seus arquivos paroquiais ao regime nazi, permitindo que este distinguisse os "puros" dos "impuros"? Foi.
5 - Não foi a Igreja Católica Alemã que mandou celebrar um Te Deum para agradecer a deus o facto do fuhrer ter escapado com vida a um atentado, já depois da II Guerra Mundial ter começado? Foi!
6 - Não foi a Igreja Católica Alemã que mandou celebrar solenes missas de requiem pela morte de Hitler? Foi!
7 - Não foi a Igreja Católica que jamais se lembrou de colocar no INDEX o Mein Kampf de Hitler apesar de, nessa época, outros perigosos autores (como Sartre ou Unamuno) lá terem ido a parar? Foi!
8 - Não foi a Igreja Católica que manteve, durante cerca de duas décadas após o fim da II Guerra Mundial, a acusação de deicídio sobre todos os judeus? Foi!
Tudo isto, e muito mais, são factos históricos. Quando Hitler foi vivo, mais de 95% da população alemã e austríaca era cristã (católica ou protestante). Não parece que Hitler e mais um punhado de nazis tenham sido os únicos responsáveis pela morte de milhões de seres humanos e pelo extermínio de outros tantos. Se a memória não me falha, 97% dos austríacos votaram a favor do anschluss, muito graças ao apelo directo da Igreja Católica austríaca para que isso sucedesse.
De Portugal e de Espanha saíram milhares de católicos para lutarem em nome de Hitler.
Ou seja, quando Hitler foi vivo, deram-se muito bem com ele. Agora, renegam o facto de ele ter sido católico.
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