quarta-feira, junho 14, 2006

Alentejo Blue


Alentejo Azul? Azul porquê? Porque o Alentejo é triste? Porque no Alentejo o céu é muito azul? Parece que Azul do Alentejo é a tradução mais apropriada. Alentejo Blue é o tom de azul que emoldura as portas e janelas das casas alentejanas. Isso e o resto, impressionaram tanto Monica Ali que ela mudou os planos para o seu segundo romance, depois do premiado Brick Lane. Alentejo Blue é a novela que Monica Ali acabou de publicar.
Dei-me conta quando a Borders de Charing Cross me deu as boas vindas com uma montra cheia de Alentejos de papel. (Simpático.) Não resisti a uma apressada primeira leitura. (Vantagens do grande comércio livreiro). É uma história sem enredo, mas com muitas personagens. Tema comum: as expectativas ilusórias e devidamente desiludidas de que a mudança (de tempo, de lugar, de tecnologia) altere fundamentalmente as coisas.
Há uma jovem alentejana que sonha com perder a virgindade e emigrar para Londres (a primeira desilusão a fazer advinhar a segunda). Há uma família de imigrados ingleses bastante desorganizada (até na limpeza e escolha de parceiros). Há camponeses e comunista (um deles termina pendurado numa árvore por uma corda). Há um escritor inglês (que escreve cada vez menos). Há um cyber café e um filho pródigo (que promete trazer de presente um grande hotel).

O local do crime literário - porque é preciso atrevimento para escrever sobre Portugal pouco cá tendo estado - é Mamarrosa, para os lados do rio Mira, de Milfontes e São Teotónio. O nome da aldeia é homofonamente apropriado ao sexo em abundância. É de tipo variado, mas por regra fora do casamento e abaixo da idade permitida. (Sugiro uma bolinha vermelha na capa para ajudar a vender a edição portuguesa.)
Há mesmos dois proletários agrícolas, pelo menos um deles comunista, que se envolvem numa relação, que em tempos (será que ainda?) embaraçaria os bons costumes do PCP. (Chamar-lhe Brockeback Mountain à portuguesa parece-me, no entanto, um bocadinho apressado. Esperemos até vir o filme de Hollywood!) Não falha sequer Salazar num braço dado, historicamente duvidoso mas literariamente útil, com Hitler.

Faltam a Portugal escritores estrangeiros que nos descrevam. Pode alegar-se que esta é a face mais previsível: o país rural, pobre, parado no tempo, à espera de milagres, seja do comunismo, seja do capitalismo na forma do filho pródigo que à terra torna. Pode até dizer-se que Monica Ali escreve Mario em vez de Mário. Ou que usa quinta quando, mesmo que também as haja no Alentejo, parece mais adequado no contexto dizer monte ou latifúndio. Pode alegar-se que ninguém num meio camponês se chama José ou Manuel, mas sim ou Manel. (Ou que abusa do português para passar um exotismo fácil, pero no lo creo).
Monica Ali, é evidente, tem mais dificuldades com camponeses à procura dos amanhãs que cantam do que com estrangeiros à procura de refúgio para vidas duvidosas, está mais à vontade com meninas adolescentes do que com velhos nativos. Mas a escrita é muitas vezes divertida e escorreita. (Vejam - cito de memória - como explica a sua vinda para Portugal "China", o "chefe" de uma disfuncional família inglesa: 'How did we all turn up here, mate? On the run! On the fucking run!’)
Uma perspectiva estrangeira será sempre incompleta: é natural, é inevitável que seja vista como imperfeita ou até injusta pelos nativos. Este não é um livro perfeito: mas para segunda tentativa tomariam muitos. A sátira é necessariamente distorção, e faz bem vermos a nossa imagem distorcida de vez em quando. Pode ser que Monica regresse com mais balanço. Por mim uma perspectiva diferente, desalinhada, será sempre, à partida, bem vinda.
Embora o livro não passe uma imagem propriamente idílica de Portugal - nomeadamente da eficácia do nosso comunismo ou do nosso capitalismo - pode ser que pelo menos a capa promova o turismo e nos ajude a sair da crise! Sim! Pode ser que um milagre aconteça, agora que uma jovem escritora de sucesso publicou um livros sobre nós em inglês!! E valeu a pena, nem que fosse apenas para ver uma distinta crítica do distinto Times descrever o Alentejo como uma 'pequena aldeia em Portugal'. Só faltou mesmo dizer que "resiste ainda ao invasor" (turístico)! Estes bretões são loucos!

5 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Há um outro escritor inglês, que certamente você conhece, Robert Wilson, que recentemente escreveu pelo menos dois livros cuja trama se desenrola em Portugal, durante a segunda guerra ("Último acto em Lisboa" e um outro cujo título não me ocorre). São interessantes, mas também surpreendentes para nós, observados de fora. Creio que nos sentimos sempre incompreendidos pelos clichés, mas a verdade é que o mundo está cheio deles. Basta pensar no olhar que o Brasil tem sobre Portugal, a sua tão incómoda (para o Brasil) raiz europeia.

1:16 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Concordo consigo Propranolol.

Há, além do Robert Wilson também o Richard Zimler. Ou Antonio Tabucchi. E suponho que até haverá mais. Não é muito, mas já vai sendo alguma coisa.

Monica Ali em relação a estes trás a narrativa estrangeira mais para o presente, o que tem o seu interesse.

12:09 da manhã  
Blogger Cenoura disse...

Eu também sugiro "A Cottage in Portugal", de Richard Hewitt.
Uma história verídica de um casal americano que decide vender tudo o que tinha e vir viver para Sintra. E fazerem obras, imagine-se!

http://www.amazon.com/Cottage-Portugal-Richard-Hewitt/dp/0684813130

2:58 da tarde  
Anonymous Maria disse...

Uma inglesa a escrever sobre o Alentejo... vou ler mas parece-me que, como boa alentejana que sou, me irei desiludir... veremos. Depois vos direi.
O Alentejo é um previlégio de quem o sente

6:00 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Ainda bem que há outros autores a escever sobre Portugal, e bem, porque este Portugal Blue é mediocre

7:43 da tarde  

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