sábado, maio 03, 2008

A teima do Estado laico

Regressado a Portugal após uma semana fora, tento pôr em dia as leituras de periódicos, aproveito para arrumar velhos jornais deixados «à solta», dou uma vista de olhos em O Amigo do Povo e deparo com este poste do Bruno Cardoso Reis a propósito de uma discussão em torno do Estado Laico em Portugal. Algo não bate certo. É que o Bruno considera que «Estado Laico» é a expressão favorita de puristas dos modelos francês, turco e mexicano. Mas eu tropeço em defesas do «Estado Laico» em notícias e artigos de opinião de figuras religiosas portuguesas. Vejamos de perto uma amostra colhida ao acaso de O Público: Esther Mucznik, judia praticante, escreveu em 24 de Abril: «É por isso também de salientar o facto deste memorial hoje inaugurado [às vítimas do massacre de judeus/cristãos novos de 1506], produto da colaboração de duas entidades religiosas, se encontrar em espaço público e com o apoio e contributo da Câmara Municipal de Lisboa, entidade oficial do Estado laico, que assim entendeu que a Lisboa de hoje, para além da sua diversidade cultural e étnica, é também um espaço de liberdade religiosa onde a livre expressão das confissões religiosas em nada contraria o carácter laico da autarquiaFaranaz Keshavjee, uma islâmica investigadora e colunista, escreveu em 27 de Abril: «Considero a laicidade, ou a separação entre Estado e Igreja, um passo importante e “irrenunciável”». E a 1 de Maio é publicada uma pequena notícia afirmando que Bento XVI elogiou a «sã laicidade dos Estados Unidos». Bem sei que a tradição de laicidade norte-americana é diferente da tradição da Europa continental, mas a declaração mostra que o Papa não tem engulhos com a palavra.
É certo que «um Estado laico não é a única via para a liberdade», mas é uma via possível, bem mais praticável em Portugal do que a do Reino Unido em que a Rainha de Inglaterra é simultaneamente chefe do Estado e da Igreja Anglicana. Resta saber se as relações Estado-Igrejas não mudarão na Grã-Bretanha se se mantiver a tendência de diminuição da prática anglicana associada ao crescimento da confissão católica e no caso dessa instituição tão peculiar que é a monarquia britânica entrar em colapso…Também é verdade que a caracterização do Estado português como laico é mais uma interpretação do que está implícito no texto constitucional do que uma fidelidade à letra. Não vejo qual é a vantagem em anatemizar essa interpretação, quando ela é adoptada e usada por representantes de minorias religiosas em Portugal.

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2 Comments:

Blogger José Leitão disse...

Estou totalmente de acordo.
Uma oportunidade para aprofundar esta reflexão pode ser proporcionada pelas Conferências de Maio 2008, promovidas pelo CRC-Centro de reflexão Cristã, cujo programa a Ana Cláudia Vicente divulga neste blogue e que significativamente se intitulam "Questões Sobre Laicidade".

1:36 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro João, lamento mas o argumento das autoridades continua a não me convencer, mesmo que agora (aliás misturando "laicidade" e "Estado Laico" - uma mistura fácil de fazer, e que mais uma vez procuro evitar recusando o conceito de Estado Laico excepto onde ele foi oficialmente adoptado) passes de D. Jorge Ortiga a Bento XVI e a Esther Muznik.

O meu poste provoca-te estranheza porque não se situa na linha largamente dominante - uma ortodoxia que evidentemente se estende bem para além da pequena mas vocal e influente minoria de laicistas militantes.

No entanto, foi precisamente contra essa nova ortodoxia cada vez mais esmagadora que eu comecei por escrever. Uma ortodoxia em que o Estado Laico passou a ser sacrossanto, e em que parece haver receio da desafiar não vá alguém pensar estar perante fanáticos clericais.

Terei gosto em continuar a discutir o assunto. Infelizmente em Portugal o debate parece, muitas vezes, estar fechado ainda antes de ter começado.

6:34 da tarde  

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