Maria Antonieta segundo Stefan Zweig
«”Tenho medo de me aborrecer!” Esta frase de Maria Antonieta é a frase do seu tempo e de toda a sua sociedade.
O século XVIII chegou ao fim, cumpriu a sua missão. O reino encontra-se fundado, Versalhes construído, a etiqueta é perfeita, a corte está desocupada; sem guerra, os marechais são apenas fantoches de uniforme; os bispos, em presença de uma geração de descrentes, são somente galantes senhores de sotainas roxas; a rainha, não tendo um verdadeiro rei a seu lado, nem delfim a educar, contenta-se em ser uma alegre mundana.
Atacada pelo aborrecimento, toda esta gente fica insensível às ondas poderosas de uma época que avança impetuosa; e se, às vezes, lá mergulham as mãos curiosas, é para apanhar alguns calhaus cintilantes e para brincarem com o elemento formidável, rindo, como crianças, da espuma leve que escorre entre os seus dedos. Mas nenhum vê a subida cada vez mais rápida das ondas, e quando se apercebem, finalmente, do perigo, a fuga já não é possível – o jogo acabou, a vida está desperdiçada.» (1)
«Não se pode negar que essa teimosia em não querer compreender é o erro histórico de Maria Antonieta. Essa mulher, de inteligência mediana quanto a política, sem vista de conjunto sobre as filiações e ideias, sem perspicácia psicológica, nunca procura compreender outra coisa, por educação ou vontade, além do que é humano, próximo, sensível. Ora, de perto, do ponto de vista humano, todo o movimento político tem o aspecto de desordem; a imagem de uma ideia deforma-se sempre, quando se realiza. Maria Antonieta julga a Revolução – como poderia ser de outro modo? – segundo os homens que a dirigem; e, como sempre que há perturbações, os que mais gritam não são os mais honrados nem os melhores. Não tem a rainha razão para desconfiar, quando vê que são justamente os mais endividados e desacreditados entre os aristocratas, os mais corruptos, como Mirabeau e Talleyrand, os que primeiramente sentem que o coração lhes bate pela liberdade? Como poderia Maria Antonieta imaginar que a Revolução fosse uma coisa honrada e moral, quando vê o avaro e cúpido duque de Orleães, sempre pronto para todos os negócios sujos, entusiasmar-se com essa nova fraternidade? (…) Não compreende, nem tenta compreender as intenções nobres que se ocultam por trás da brutal revolta das ruas. (…) E, assim, acontece o que era fatal que acontecesse: Maria Antonieta é injusta para com a Revolução, esta é cruel para com ela.
A Revolução é a inimiga – é este o ponto de vista da rainha. A rainha é o obstáculo – é este o ponto de vista da Revolução. Com o seu instinto infalível, a massa do povo sente na rainha o único e verdadeiro obstáculo.» (2)
(1) ZWEIG, Stefan, Maria Antonieta, s.l., Círculo de Leitores, s.d., pág, 100.
(2) Idem, Op. Cit., pp. 212-213.
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