domingo, outubro 01, 2006

Serviços chico-espertos

Uma pessoa minha amiga, dessas cuja doçura se topa à légua, concorreu a um concurso de funcionários que ficariam sob a tutela da Presidência do Conselho de Ministros. Passou as diversas provas e quando, chegou à última, uma entrevista que acreditava ser mais um pró-forma colocaram-lhe perguntas como as seguintes: «era capaz de cometer uma ilegalidade por ordem superior?», «era capaz de matar alguém?», «era capaz de torturar uma pessoa para impedir um atentado terrorista?». Quando soube da história, perguntei, na brincadeira, se não se trataria de uma entrevista para recrutar espiões. O espantoso foi não me ter espantado quando, na última edição do Sol, na página 7, li uma notícia de página inteira sobre o recrutamento de funcionários para o SIS (Serviço de Informações e Segurança) e para o SIED (Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa). Uma das perguntas –a da tortura – coincidia com a história ouvida.
Esta é a parte do texto em que me devia indignar e escrever um relambório sobre direitos humanos e as ameaças às liberdades individuais. O problema é conjugar o ângulo ético e a estética – podemos indignarmo-nos com uma situação ridícula? Ninguém no SIS leu John Le Carré? Não sabem que um serviço de segurança a sério coloca provas aos seus agentes que permitam aos seus superiores responder às questões colocadas? Não sabem que, num Estado de Direito, convém, no mínimo, fingir que não se cometem ilegalidades, não se mata, não se tortura? Que não é de bom tom passar a imagem contrária a candidatos rejeitados em processos de recrutamento e jornais?
É pena que as organizações terroristas não usem os mesmos métodos de recrutamento. Os candidatos respondiam a um anúncio de uma Organização Não Humanitária e, depois de passarem diversas etapas, vinham as questões subtis: «imagine que se quer suicidar. Preferia atirar-se para debaixo de um comboio ou explodir lá dentro?». Os resultados eram divulgados em órgãos oficiais, com as classificações dos candidatos apresentadas por ordem decrescente. Os espiões portugueses ficariam assim à altura dos seus adversários.