O Rui Albuquerque critica
aqui o "Manifesto da Direita em Portugal", publicado pelo partido da Nova Democracia. Concordo que a interpretação da história política portuguesa implícita no manifesto não é adequada, mas, parece-me, por razões diferentes das de Rui Albuquerque. É que, do meu ponto de vista, o que está errado é ler-se a história política – portuguesa ou não – à luz do binómio esquerda/direita. Estes termos não são conceitos aceitáveis ou operativos em teoria política. Eu gostaria que alguém me demonstrasse que alguma das grandes questões colocadas pela teoria política possa ser desenvolvida a partir desses termos (supostamente erigidos a conceitos – quanto a isto, gostaria também que alguém me facultasse definições maduras e estruturadas de "esquerda" e "direita"). Este binómio pode, eventualmente, fazer parte da paisagem humana que o historiador ou o teórico têm como objecto de estudo, isto é, serem símbolos políticos aceites e reproduzidos pelos agentes históricos estudados por um ou por outro. Outra coisa completamente diferente é serem usados como conceitos para estudarmos a realidade. Ora, acontece que nem mesmo como símbolos correntes na paisagem política eles parecem ser muito relevantes. São muito recentes na linguagem política portuguesa, ganhando alguma relevância talvez só durante a I República, sendo sintomática a sua ausência durante a experiência liberal do século XIX (o que não invalidou que alguns historiadores os tenham transposto para essa época, forçando os cartistas a serem a "direita" e os setembristas a "esquerda" e depois fazendo o mesmo, respectivamente, a regeneradores e progressistas). Depois, para alguns, o movimento republicano português é de "esquerda", o que não deixa de ser curioso para quem o estude (a Fernando Catroga, que estudou a ideologia republicana portuguesa a sério, foi útil o binómio esquerda/direita?). O 28 de Maio e a transição para um regime autoritário foi obra da "direita" contra a "esquerda"? Isto é mesmo assim tão simples? Eu julgo que não. E julgo que se pode (e deve) narrar a história política portuguesa sem usar os termos inadequados de "esquerda" e "direita" (uma tentativa modesta foi feita por mim
aqui, para a primeira metade do século XX, para não pensarem que estou só a encomendar trabalho aos outros). Para formas, do meu ponto de vista, conceptualmente mais rigorosas de analisar a história das ideias políticas entre nós, também esbocei
aqui (n.º 149) uma proposta.
Como já defendi noutro plano (
aqui e
aqui) que não o dos estudos em ciências morais ou sociais, esta discussão em torno da vacuidade do binómio esquerda/direita (e das perigosas "ilusões de óptica que introduz) é também muito importante quando se está a defender publicamente um conjunto de princípios de uma tradição política (como, no caso, o liberalismo clássico). Porque esse binómio não ajuda a esclarecer, nem conceptualmente nem historicamente, aquilo que supostamente estamos a defender.
2 Comments:
Caro Luís,
Concordo, no essencial, com o que diz. Porém, reservo para um momento em que tenha mais algum tempo, um comentário fundamentado a alguns dos seus pontos.
Abraço,
Espero as suas reflexões. Abraço.
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