A Caixinha de Ressonância.
Desta vez espantei-me com o título e o conteúdo de um “colóquio internacional” que pode ser lido aqui – publicidade à parte... Li, reli e fiquei sem perceber de que forma é que a propósito dos 70 anos do início da guerra civil espanhola se organiza uma reunião “internacional” de historiadores intitulada “Salazarismo – Tarrafal – Guerra Civil de Espanha”. É verdade que a explicação está lá! Mas convence alguém? Aquela conversa toda sobre a recuperação da memória histórica que em Espanha tem estado na agenda política da extrema esquerda e dos nacionalistas e que parece querer-se importar para cá do Caia, não passa de conversa política e ideológica sem qualquer conteúdo historiográfico. Assim, olhando para os títulos das comunicações e para o presumível conteúdo dos “filmes” que serão projectados não consigo ver, embora possa estar enganado, de que forma é que, por exemplo, os “noticiários fascistas” e as películas sobre o “colonialismo” irão esclarecer alguma coisa sobre o “Tarrafal.”
Por outro lado, há uma comunicação cuja denominação me deixa particularmente curioso. Num colóquio em que o leque temporal não ultrapassa a década de 1930, aparece uma palestra intitulada “PIDE e repressão.” Isso mesmo, “PIDE e repressão.” Um homem lê e não acredita! A “PIDE” já existia na década de 1930? Se sim, devo dizer que se trata de uma descoberta surpreendente e, talvez, revolucionária. Ao contrário do que se pensava, a PIDE não foi criada a partir da PVDE com o fim da Segunda Guerra Mundial. Resta a “repressão”, mas o Tarrafal foi sempre uma ínfima parte dessa “repressão”, pouco explicando sobre a natureza e alcance desta. Eu conheço a Irene Pimentel – que falará sobre a “PIDE e a repressão” –, como aliás a grande maioria dos intervenientes do colóquio. Por todos eles tenho grande estima pessoal, mesmo amizade nalguns casos, e o maior respeito enquanto historiadores. Mas vejo estas coisas e não acredito. Parece tudo feito em cima do joelho com uma enorme falta de profissionalismo e, sobretudo, com intuitos que, do ponto de vista “académico”, são bastante duvidosos quanto ao bom senso e ao bom gosto.
Sejamos sinceros, olhando para o título e para o programa do colóquio, para o perfil historiográfico da generalidade dos participantes, é óbvio que aquilo a que se assistirá será à reprodução de um discurso a uma só voz. Uns dirão historiográfico. Eu diria (também) político... E explico melhor, por maior que seja a qualidade dos historiadores presentes, não haverá espaço para discussão e para o confronto de ideias se por uma e outra coisa se entender a disputa entre visões diametral mas sólida e legitimamente diferentes sobre aquilo que foi a história de Portugal nos anos de chumbo da década de 1930. O colóquio não representa de todo as sensibilidades da historiografia portuguesa sobre o salazarismo na década de 1930. Dir-se-á que não tem que representar. É verdade! Mas como a liberdade académica em Portugal tem apenas cerca de três décadas de vida, é triste assistir a um colóquio que faz orelhas mocas à liberdade não passando de um hino à unicidade historiográfica. E é tanto assim que não duvido que se poderão até apresentar umas teses finais definindo linha correcta de interpretação sobre e uma divulgação daquilo que foi o salazarismo (ou fascismo português), a guerra civil espanhola e, embora não antecipe a relevância, o Tarrafal. Mesmo assim, faço votos para que corra tudo da melhor forma possível com o nível do eco sempre em proporções aceitáveis.No meio de tudo isto, o professor Hipólito de la Torre que me desculpe, já que não me pode explicar, nem deva…
1 Comments:
Infelizmente, estas coisas acontecem com muita regularidade. Todos partimos de preconceitos que nos condicionam na escolha de temas e na forma como os abordamos, mas era suposto isso estar disciplinado por algumas regras de bom senso que deveriam pautar o comportamento das pessoas no meio acedémico.
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