segunda-feira, julho 03, 2006

Tentativa de argumentar contra a despenalização do aborto... seguramente sem êxito!


A propósito deste meu texto e de, ao menos, um comentário que suscitou, diria o seguinte:
Em primeiro lugar gostava de saber se alguém pode garantir que no dia em que a "IVG" seja despenalizada acaba o "aborto" clandestino em Portugal. Se não acabar, e não vai acabar, o que é que os defensores da sua despenalização propõem que se faça? Prendem-se as mulheres que o façam "clandestinamente" – fora do sistema de saúde reconhecido por lei – ainda que dentro dos prazos previstos na lei? Ou indiciam-se e julgam-se apenas os médicos, enfermeiros ou parteiras que pratiquem o acto? Ou talvez apenas o senhorio do imóvel em que tão triste acontecimento tenha lugar…
E o que é que se vai fazer às mulheres que abortem fora do prazo, clandestinamente? Um dia, uma semana, um mês depois de ter expirado o prazo previsto por lei para uma situação em concreto. O que é que se faz? Essas mulheres seguem em liberdade? Pagam uma multa? Dá-se-lhes uma carta com pontos? Ao quinto aborto clandestino vai dentro? Ou aqueles que hoje defendem a despenalização do aborto por motivos sociais, económicos, ideológicos e culturais certamente louváveis consideram afinal que o aborto deve ser livre até ao dia do parto? Nunca ninguém respondeu a estas perguntas! Legalizando-se a IVG, por razões sócio-económicas, até às 16 semanas acaba o aborto clandestino em Portugal e nunca ninguém mais será julgado e condenado por causa de tão sinistro tema?
Por outro lado, considero que, efectivamente, o Estado tem cada vez menos recursos para prestar cuidados de saúde nos termos em que o tem vindo fazendo nos últimos quinze ou vinte anos. Os recursos são limitados, cada vez mais limitados. Deve o Estado pagar "IVG's" ou investir mais noutras áreas dos cuidados de saúde que presta?
Se tem que poupar, e está fazê-lo, porque deve gastar em abortos, quando, ainda por cima, há uma crise demográfica séria no nosso país e em praticamente toda a Europa. Crise essa que tem consequências muito negativas nas finanças públicas que alimentam, entre muitas outras coisas, o SNS tendencialmente gratuito.
Não nego ao Estado um papel importante na vida das sociedades modernas. E neste caso penso que o Estado, como a famosa “sociedade civil”, deve intervir na questão do aborto mobilizando-se contra a sua legalização e despenalização. Defendo a manutenção da lei actual – que deve efectivamente ser cumprida – e, sobretudo, que Estado e sociedade se mobilizem criando condições para que as mulheres grávidas possam, queiram e desejem dar à luz os seus filhos. Se há matéria em que o Estado e a sociedade não podem nem devem abster-se das suas responsabilidades é esta. Nenhum Estado, como nenhuma sociedade, pode apoiar uma política pró-aborto por mais modernos que pareçam ser os argumentos que se agitam. Não querendo entrar muito pelo campo dos juízos de valor, não posso ainda assim deixar de pensar que muitos dos defensores da despenalização do IVG não estão minimamente interessados nas mulheres que abortam nas condições mais desgraçadas. Estão sobretudo interessados em vencer uma batalha política impondo um modelo cultural de sociedade. Por mim, devo dizer que estando preocupado com as mulheres que desgraçadamente abortam, também me preocupa uma sociedade que quer transformar um acto médico que deve ser usado apenas em último recurso num método anticoncepcional. E se isso não é verdade, digam-me por favor ao fim de quantos abortos legais será uma mulher obrigada a alterar o seu comportamento ou até, e pelo menos, a ser civilmente responsabilizada. Presumo que nunca.
Só para concluir recordaria que embora o problema do aborto seja um problema social, não o é de toda a sociedade. Se o fosse certamente que o último referendo sobre o tema teria tido, ao menos, uma participação superior a 50%. Resta saber se a favor se contra a despenalização da “IVG” tal como defendida pelos seus cruzados.

5 Comments:

Blogger Miguel Madeira disse...

"Em primeiro lugar gostava de saber se alguém pode garantir que no dia em que a "IVG" seja despenalizada acaba o "aborto" clandestino em Portugal. Se não acabar, e não vai acabar, o que é que os defensores da sua despenalização propõem que se faça? Prendem-se as mulheres que o façam "clandestinamente" – fora do sistema de saúde reconhecido por lei – ainda que dentro dos prazos previstos na lei?"

Não. Se alguém não quer beneficiar do direito a ter um aborto em condições e, em vez disso, prefere uma parteira do bairro, isso é problema dela.

"Ou indiciam-se e julgam-se apenas os médicos, enfermeiros ou parteiras que pratiquem o acto? Ou talvez apenas o senhorio do imóvel em que tão triste acontecimento tenha lugar…"

Desde que os médicos, enfermeiros ou parteiras não recorram a fraude ou publicidade enganosa e declarem o rendimento obtido nessa actividade, não vejo porque se há de indiciar alguém. No entanto, caso a sua actuação cause danos físicos (ou mesmo a morte) às suas clientes, em principio deverão ser responsabilizados por isso.

"E o que é que se vai fazer às mulheres que abortem fora do prazo, clandestinamente? Um dia, uma semana, um mês depois de ter expirado o prazo previsto por lei para uma situação em concreto. O que é que se faz? Essas mulheres seguem em liberdade? Pagam uma multa? Dá-se-lhes uma carta com pontos? Ao quinto aborto clandestino vai dentro?"

Em vez de prisão, como é actualmente, devem pagar uma multa (eventualmente substituida por trabalho).

"Ou aqueles que hoje defendem a despenalização do aborto por motivos sociais, económicos, ideológicos e culturais certamente louváveis consideram afinal que o aborto deve ser livre até ao dia do parto?"

Não. Defendo que, regra geral, o aborto deve ser legal até às 12 semanas. Ás vezes, até tenho algumas dúvidas sobre a alinea da lei actual que autoriza o aborto até às 16 semanas caso "a gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual" (até faria mais sentido esse alargamento para "os casos de perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida").

"Legalizando-se a IVG, por razões sócio-económicas, até às 16 semanas acaba o aborto clandestino em Portugal e nunca ninguém mais será julgado e condenado por causa de tão sinistro tema?"

Creio que esta pergunta já está respondida nas respostas anteriores.

"[D]igam-me por favor ao fim de quantos abortos legais será uma mulher obrigada a alterar o seu comportamento ou até, e pelo menos, a ser civilmente responsabilizada. Presumo que nunca."

A minha resposta - pode ser chocante para algumas pessoas - é exactamente essa: nunca (porque é que alguém deve ser obrigado a alterar um comportamente que é - ou seria - legal?).

11:49 da tarde  
Blogger Fernando Martins disse...

Miguel Madeira, agradeço as suas respostas. Fico à espera de outras respostas e de outros "bloguistas"

2:32 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Realmente, o argumento de que o aborto clandestino acaba é dos que mais me irrita.

Se eu (coitado de mim) tivesse uma relação fora do casamento ou que por qualquer outro motivo quisesse (eu e/ou a grávida) manter secreta, está-se mesmo a ver que iria meter-nos num local onde tudo ficasse registado e desse direito a desconto no IRS e onde deparasse de caras com algum conhecido!

É que se está mesmo a ver!!!

5:15 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caríssimo Fernando,

Ora aí está a facilidade com que argumentas, basta olhar para a fotografia que ilustra o teu post. Quem ilustra um post sobre a IVG com a fotografia de uma criança a sorrir, com uma chupeta na mão e aparentemente de boa saúde define à partida aquilo que pensa em relação ao aborto. Porque não ilustrar este post com uma fotografia da Joana ou da Vanessa ou de outra criança que foram, durante a sua curta vida, vítima de maus tratos por parte dos seus familiares e viram ser-lhes retirada a vida pelos que lhe eram mais próximos? Isso sim era uma boa imagem para ilustrar este post.

Mas já percebi. Tu deves ser daqueles que se te perguntarem em que data é que nasceste dizes que foi nove meses antes de teres nascido porque a data da tua concepção marca o início da tua vida. Mas se assim é aconselho-te a que para a próxima utilizes a imagem de uma mórula para ilustrares o teu post.

Agora aquilo que te preocupa é o número de vezes que uma mulher poderá abortar, se a IVG poderá ser usada como método anticoncepcional e se o aborto clandestino vai acabar depois da despenalização.

A resposta à tua última questão foi já dada por um anónimo. Claro que não vai acabar, pois enquanto existirem VIP´s, muitos deles que dão a cara pelas campanhas anti-aborto, a praticarem a IVG, é obvio que eles não o farão nos hospitais públicos, que vão preferir deslocar-se às mesmas clínicas privadas onde hoje já abortam famosas meninas do jet-set, filhinhas de ministros de tenra idade e outras senhoras que possuem relações extraconjugais com figuras de topo da nossa sociedade. De certeza que esses vão continuar a abortar nessas mesmas clínicas, por opção, mas as outras mulheres que têm recorrido ao aborto de vão de escada, pagando verdadeiras fortunas verão ser-lhes consignado um direito básico em termos de saúde sexual e reprodutiva.

Quantas vezes poderá uma mulher abortar sem ser civilmente responsabilizada? Meu caro.... Uma mulher que faz um aborto sofre consequências psicológicas terríveis. Elas próprias fazendo o primeiro ficam de tal forma marcadas que optarão por estilos de vida que as levem a não ter mais que tomar essa opção.

Para além disso a realização de um aborto quase sempre é sinónimo de raspagem ou curetagem uterina o que quer dizer que muitas das mulheres pelas consequências inerentes ao primeiro aborto nunca mais conseguem engravidar. A própria anatomia e fisilogia da mulher se encarregará de estabelecer um limite máximo de vezes que cada uma poderá abortar, sendo certo que nenhuma mulher conseguirá fazer disso o seu método anticoncepcional porque chegará a um ponto em que o seu útero já não permitirá que ela engravide mais.

Continuo a afirmar que mais do que tentar impor um modelo cultural de sociedade, tal como afirmas, a questão da IVG é uma questão de liberdade individual da mulher, de capacidade para decidir o que quer da sua vida, em suma, o direito de optar.

Pelos vistos quem quer impor um modelo é quem não concorda que haja pelo menos o direito da mulher optar nesta questão, até porque a despenalização da IVG não vai obrigar todas as mulheres a abortarem vai sim dar capacidade e liberdade às mulheres que optarem por este caminho a realizarem a IVG em condições condignas e a reduzir-se a percentagem de mulheres que morrem todos os anos porque realizaram a IVG em circunstâncias higiénicas e sanitárias deploráveis.

1:22 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

O Nosferatus, tás com um ataque de proletário barato... O aborto é em si um acto perigoso que mesmo feito nos hospitais pode trazer perigo para a Mãe e não deixa de ser curioso que as Maternidades que agora se fecham por não reunirem as condições suficientes para partos, tinham-nas há 8 anos atrás para fazer abortos.

O problema é antropológico. O limite de 10, 12 ou até 16 semanas é de uma incoerência própria da sociedade "light" e "self-service" em que vivemos. Nada muda à décima semana e 1 dia. NADA, RIGOROSAMENTE NADA. E se não se acredita que a vida começa desde a concepção, então quando começa? Um minuto antes do parto? Então deveria ser permitido fazer aborto até ao nascimento.

De resto, o choque tecnológico tão apregoado apenas serve para o que interessa. Eu fui fazer uma ecografia da minha filha mais velhas às 5 semanas (lá está o médido enganou-se no prazo)e vi o coração a piscar... com que emoção recordo esse momento! A ciência não deixa margem para dúvidas que existe vida logo... só não vê quem não quer... é a sociedade do utilitarismo... e por muito que custe foi assim que Hitler se tornou no líder demoníaco democraticamente eleito.

2:00 da tarde  

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