segunda-feira, abril 03, 2006

Livros II

Na parte que precedeu a discussão, os presentes puderam ouvir Manuel Alberto Valente (Asa) falar sobre o seu percurso profissional de mais de trinta anos no mundo editorial, bem como de projectos futuros. Do que disse, retive sobretudo a liminar rejeição da concepção e tratamento do livro como produto. Interpelados pelo moderador, Abel Barros Baptista, Eduardo Pitta e João Pedro George fizeram, à vez, algumas considerações sobre leituras que têm perseguido ou evitado. Rodrigo Guedes de Carvalho disse um pequeno excerto de Mulher Em Branco (D.Quixote), o seu mais recente romance, após discorrer um pouco sobre a elaboração daquele, bem como sobre a dupla condição de escritor e jornalista. Dizendo-se alógeno ao meio literário, manifestou expectativa em relação ao que se ia seguir.
Carlos Vaz Marques deu depois início ao segundo momento do serão, moderando uma conversa em torno do mester crítico. "A crítica, os amigos" partiu da polémica iniciada várias semanas antes com este post, de João Pedro George. Quem acompanha o Esplanar estará familiarizado com os inúmeros trabalhos aí publicados: não se tratam de chorrilhos de mal-dizer inconsequente, antes de exercícios sistemáticos de análise de texto. George tem, na maioria dos casos, optado pela debunkery literária de sucessos de vendas. Uma opção que não só me parece indiscutivelmente legítima como bem conseguida. Espanta-me que este facto possa ser, por si só, motivo de desagrado e má reacção de intelecutais, críticos ou agentes da edição, parece-me sinal de que a confrontação e concorrência de ideias (extremada, a doer, com eventuais consequências comerciais) não é afinal assim tão naturalmente aceite no nosso ecossistema; a já referida requisição de providência cautelar pela Oficina do Livro e Margarida Rebelo Pinto, não sendo caso para um aqui d'El Rey que temos crise democrática às portas de mais um aniversário do 25 de Abril de 1974 (qualquer um tem o direito de procurar a justiça para fazer valer uma queixa, o fundamento dela logo quem de direito ajuizará), é um desses insólitos sinais.
E contudo, no post que desencadeou a polémica, George fez não uma das suas habituais análises sistemáticas, antes arriscou um julgamento a partir de um caso concreto (o qual, por não conhecer os protagonistas, não tenho qualquer capacidade de ajuizar). Ironicamente, foi a validade ou invalidade da acusação feita a José Mário Silva, e não as questões de princípio que George pôs na mesa (deve o crítico abster-se de avaliar trabalhos dos autores que lhe são próximos? quão próximo é alguém próximo?é possível trabalhar de forma isenta num meio literário pequeno sem criar relações de amiguismo e interdependência?), a matéria de que mais ali se falou. Apesar de toda a animação, era dessas que eu mais gostava de ter ouvido falar.
[Reprodução: NYPLDG]