Lavagante. Encontro desabitado
Não se lhe via o rosto; o rosto estava oculto pela gola levantada do casaco. De cabeça apoiada no vidro da janela, a rapariga ia como um passageiro estremunhado. De olhos acesos, num silêncio de morte.
Trraac, tac…trraac, tac…o limpa-pára-brisas riscava num bater triste e igual as ruas da cidade, o Rossio, a Avenida, os operários que trabalhavam à luz dos holofotes, debaixo da chuva miúda.
Daniel conseguira mudar a face das coisas nesse fim de noite infeliz, e mudando-as, afastara para longe a lembrança do Sapo e o peso das confidências diante de duas ou três garrafas vazias e duma toalha traçada à faca pela mão inquieta duma jovem. Conseguira-o, felicitara-se por isso. Doutra maneira seria o strip-tease que conduz ao amor confessional e o amor confessional é a coisa mais complicada que Deus ao mundo deitou. Mas, e agora?»
Etiquetas: José Cardoso Pires, literatura portuguesa
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