quinta-feira, agosto 23, 2007

Milho transgénico e ideologia travestida

A destruição de um hectare de milho transgénico por um grupo ambientalista, em Silves, tem provocado alguma polémica e muita alucinação ideológica. À esquerda vislumbrou-se um épico combate a multinacionais e à direita uma reedição das «ocupações selvagens de 1975». Nada nos permite entender em qualquer das posições uma sombra de realidade ou de consistência ideológica. O proprietário do milho vandalizado, José de Menezes, não é nem o dono de qualquer multinacional, nem um proprietário absentista, mas sim um pequeno agricultor que dirige uma empresa de carácter familiar. Ou seja, em linguagem marxista, José de Menezes é simultaneamente o proprietário do seu meio de produção e o criador de mais-valias. Ainda de um ponto de vista marxista, o que são os «ambientalistas»? É difícil responder a esta questão, pois eles não afirmaram a sua identidade a partir de qualquer actividade profissional. Os jornais dizem-nos que boa parte deles são estrangeiros, o que significa que possuem mobilidade internacional e atravessam as fronteiras não para defender os seus direitos enquanto produtores, mas para agir com motivação política. Tudo nos leva a crer que muitos deles, ao contrário, de José de Menezes, possuem educação superior. Se tentássemos defini-los em categorias marxistas de acordo com a informação disponível e presumível - estilo de vida, nível educacional, exigências a nível de consumo, «capital simbólico» - a classificação de «burgueses improdutivos» parece-nos bastante apropriada. Em suma, de um ponto de vista marxista, o que aconteceu em Silves foi um ataque de «burgueses improdutivos» a um frágil criador de mais-valias.
O ponto de vista marxista é sempre redutor. A acção dos ambientalistas não pode ser interpretada apenas do ponto de vista do seu lugar no modo de produção, mas também pelos direitos e deveres de que gozam como cidadãos e pelos seus interesses como consumidores. Como cidadãos integrados numa (ou várias) democracia(s) representativa(s) eles podem e, se agirem segundo a sua consciência, devem eleger deputados que alterem as leis e proíbam o milho transgénico. Como consumidores podem e, ainda segundo a sua consciência, devem promover campanhas contra os alimentos transgénicos, obrigar à identificação destes produtos e persuadir os outros consumidores a não os comprarem. A destruição de milho legalmente plantado não se justifica de nenhum ponto de vista.

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4 Comments:

Blogger NC disse...

Boa análise

6:34 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Gostei.

Luís Lavoura

10:34 da manhã  
Blogger CLeone disse...

É dar muito crédito aos BEzinhos associar o nome de Marx ao caso, mas como exercício de estilo gostei (pese embora uma ou outra discordância dialéctica na exegese materialista).
E boas férias, então!

5:57 da tarde  
Blogger rui disse...

eu acho estas análises interessantes. pelo menos estão a léguas da histeria com que a questão foi discutida. há lá no fundo uma tentativa de análise racional do problema.
o que prejudica estes textos é a clubite política metida a torto e a martelo. dir-se-ia que estes textos revelam a mesma atitude obsessiva que se criticava a alguns militantes de esquerda. Como se se tivesse de deixar um carimbozito em tudo.
E francamente... "À esquerda vislumbrou-se um épico combate a multinacionais "?!!! onde é que viste isso pá? Deve ter sido noutro País, porque o que eu vi foi esquerdistas e ambientalistas aterrorizados a tentarem ser mais ofensivos em relação aos eufémios do que a própria direita, apavorados com a perspectiva de que alguém os acusasse de tibieza perante algo de... (uh o horror!) ilegal.
eu diria antes que a esquerda ultrapassou a direita pela direita nesta questão. Onde é que se viu tipos que se dizem de esquerda, simpatizantes do PC, do bloco, da pata que os pôs, a criticarem a GNR por "passividade"?
Onde, explica-me por favor... se até o daniel oliveira que passa por ser a besta negra do bloco na blogosfera classificou a acção como "imbecil" e disse no eixo do mal qualquer coisa como "o gualter baptista é o tipo com quem ninguém quer ser visto"?
por favor... isto é que é "vislumbrar um épico combate"? é mas é um susto de primeira... queres ver que há aí uns putos anarcas que querem começar a partir isto tudo outra vez? Nah que partir o que quer que seja foi um monopólio dos participantes da "heróica luta contra o fascismo", e isso é pessoal que se reformou e já só quer é admirar as fotografias de antanho em que aparecia de barbas e calças à boca de sino enquanto aprecia bom vinho, não faças confusões...

9:52 da tarde  

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