sexta-feira, março 16, 2007

Ganhar no Iraque?

Ao fim de quatro anos os EUA nomearam, finalmente, um especialista em contra-insurreição para tomar conta militarmente do Iraque. O General Petraeus parece, à partida, o homem certo para conseguir resultados, embora ainda seja cedo para os apreciar. Ele foi o responsável pela recente e laboriosa revisão da doutrina norte-americana de contra-guerrilha. Tinha sido antes disso um dos poucos oficiais generais norte-americanos a merecer análises favoráveis do seu desempenho durante 2003 como comandante de uma das principais unidades norte-americanas na fase inicial da insurreição no Iraque. Ele teve então a coragem de chamar as coisas pelos nomes, de dizer que se combatia guerrilheiros e não apenas desordeiros, apesar de isso ser impopular em Washington. Ou seja, ou é agora e com ele, ou nunca.

Provavelmente, no entanto, já é demasiado tarde. A ironia é que Petraeus prevê isso num artigo publicado na Military Review em que destilou as lições aprendidas no Iraque. A segunda lição para que ele aponta é precisamente: ‘Age Depressa: um Exército de Libertação rapidamente se transforma num Exército de Ocupação.’

Agir depressa neste tipo de campanhas é, aliás, complicado. Olhando para o passado, o período mínimo para inverter tendências numa guerrilha deste tipo parece ser de pelo menos dois anos. E dizemos inverter tendências, não acabar com ela . Conflitos internos como o do Iraque têm no pós-Segunda Guerra uma duração média de 10 anos. Mas mesmo dois anos parece uma eternidade tendo em conta a impaciência reinante em Washington e as eleições norte-americanas que se aproximam.

A saída estaria na lição número um de acordo com Petraeus neste tipo de guerra: ‘não queiras fazer demasiado pelas tuas próprias mãos’. Ou seja, é melhor ser um local o protagonista principal logo que possível, mesmo que faça as coisas mais lentamente e menos eficientemente. O problema é que aquilo que os protagonistas iraquianos mais parecem dispostas a fazer é envolver-se num combate sem tréguas uns com os outros.

Ao contrário do que muitos dizem, o Iraque mostrou não apenas que as reservas (estratégicas) dos europeus tinham razão de ser, mas também que militaramente a experiência e a doutrina europeia se adequavam melhor aos problemas da segurança internacional actual, ao crucial esforço de pacificação que se segue a qualquer ocupação militar. Por isso, os britânicos foram relativamente bem sucedidos e os norte-americanos falharam até ver. O novo manual de contra-insurreição norte-americano que Petraeus coordenou é o reconhecimento disso mesmo, sendo fortemente inspirado na doutrina britânica. Aliás, não é por acaso que Petraeus cita na primeira lição do seu texto sobre o Iraque precisamente Lawrence da Arábia.

TE Lawrence teve a vantagem, no entanto, de estar a promover um levantamento armado entre os árabes, não a contê-lo. Isso, como ele dizia, era tão difícil como usar uma faca para comer sopa. O Médio Oriente, em particular, tem sido um terreno difícil para a contra-guerrilha. Mesmo os experientes britânicos, em décadas passadas, não foram bem sucedidos a impor a paz a grupos armados diferentes na Palestina ou no Iémen do Sul (embora, provavelmente em parte, porque não aplicaram aí alguns dos seus próprios princípios doutrinais).

Se Petraeus, por falta de tempo e pela degradação da situação não conseguir milagres, deixará apenas aos EUA a alternativa de manter uma força mínima no Iraque para conter qualquer risco de tomada do poder pela al-Qaeda numa determinada zona ou retirar completamente. O que os EUA farão se o Iraque entrar numa espiral de limpeza étnica – que em parte já se desenha – é a grande incógnita. Mas seria bom que fossem preparando alguma coisa, ao invés do que sucedeu em 2003 quando apenas o cenário cor-de-rosa estava previsto. Ainda assim, continua a ser verdade que será difícil, por estranho que pareça, aos EUA perder completamente. É que Washington apoiou a emergência do poder xiita e curdo, e parece difícil de conceber nesta altura, que esses aliados norte-americanos percam completamente o controlo da situação para os insurrectos sunitas. Resta saber se serão aliados leais, mas sobretudo do lado xiita não se vislumbram grandes razões para isso.

Veremos, por fim, que futuro terá no exército norte-americano a doutrina que Patreaus tanto se empenhou em criar. Não é inconcebível, sobretudo se os EUA optarem por sair do Iraque, que seja posta de lado, e culpada (injustamente) pelo insucesso. Afinal, o exército norte-americano rapidamente esqueceu, depois do Vietname, os maçadores guerrilheiros, para se concentrar naquilo que tradicionalmente preferia fazer: guerra a sério, convencional, pesada, com muita tecnologia. Não seria a primeira vez que um exército preferiria morrer com as suas belas armaduras a tirá-las para combater mais eficazmente.