Não é preciso ser inteligente ou perspicaz para perceber que o tema da semana que agora se inicia se irá praticamente resumir, naquilo que à política nacional diz respeito, à discussão em torno daquelas que poderão ser as verdadeiras intenções de José Sócrates e do seu Governo ao pretender mexer na organização e funcionamento das diferentes forças policiais portuguesas, colocando-as, imagine-se, na dependência directa de São Bento e do seu inquilino número um. Ou seja, discutir para tentar perceber se estamos, ou não (hipótese nada provável), à beira da criação de um proto-estado policial em Portugal, apreciando-se e julgando-se para isso não tanto factos mas, sobretudo, intenções governamentais e burocráticas. Para reforçar os seus argumentos, Paulo Gorjão deu-se ao trabalho de enunciar no
Bloguitica os mais variados textos publicados em blogues e nos quais, nas últimas horas, se vem denunciando, à esquerda, ao centro e à direita, veementemente, a perversidade do nosso primeiro-ministro. Ao mesmo tempo, Paulo Gorjão, uma grande cabeça com uma memória invejável, recuperou um punhado de palavras ditas por Marques Mendes há meses e segundo as quais José Sócrates tem, enquanto primeiro-ministro, um “
projecto de poder pessoal.” Como se esta afirmação tivesse qualquer substância e originalidade ou, desde logo, o pobre Dr. Marques Mendes, não tivesse ele próprio, o seu projecto de poder pessoal, como tem qualquer político que se preze. Ou, porque não, como se ter um projecto de poder pessoal, em si mesmo, fosse pecado – na política ou em qualquer esfera da vida social em que cada um de nós, melhor ou pior, se movimenta.
De qualquer modo, esta histeria foi ontem legitimada e multiplicada por um artigo de Vasco Pulido Valente no
Público e, segundo o qual, pasme-se, nunca em trinta anos de democracia terá um primeiro-ministro português despachado directa e regularmente com um chefe de polícia. A esta acusação gravíssima eu responderia com uma pergunta. Será que em nenhum país democrático por esse mundo fora haverá um chefe de Governo ou um chefe do Estado a despachar numa base regular e directa com o chefe das suas polícias? E mesmo que tal não aconteça, será que a instituição do despacho nos trará inevitavelmente um estado policial e, depois, o autoritarismo? Tudo, portanto, como se o exercício do poder em Portugal não fosse limitado pela lei, pela acção dos cidadãos e dos mais variados órgãos de soberania, ou pelos diversificados poderes, externos e internos, que todos os dias fazem sentir o seu peso.
Mas, de qualquer forma, nada disto é relevante. Sócrates, de certeza, não pretende nada daquilo de que o acusam. E porquê? Por uma razão muito simples. O seu legítimo projecto de poder pessoal não passa, nem nunca passou, pela subversão política e institucional da democracia portuguesa e, portanto, pela instauração de um (proto-)estado policial que o sirva a ele, ao seu Governo e ao seu partido. Estamos assim diante da exibição pública de uma pequena intriga que, naturalmente, Sócrates e o Governo se encarregarão de desfazer e que redundará em mais uma vitória política.
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