terça-feira, março 06, 2007
Não sei se é neo-salazarista toda a gente que, no mundo académico ou fora dele, em Portugal ou “lá fora”, afirma que o fascismo, enquanto regime político, nunca existiu neste pequeno e periférico estado europeu. Também não sei se há, ou não, neo-salazarismo em Portugal. Parece-me, no entanto, demasiadamente óbvio que há muita gente a desejar que ele exista ou que ele tivesse existido. Por mim, e desde já, devo confessar, do ponto de vista académico, o debate aborrece-me, até porque já tenho resposta para ele há coisa de 20 anos.
Mas a obsessão de muitos portugueses pelo fascismo normalmente interessa-me. É que me parece que para aqueles que sustentam ter ele existido em Portugal, o seu eclipsar dos livros de história e do discurso político e jornalístico significa que não só a pátria fica menos europeia e moderna, como parecem ser fortemente postos em causa o sentido de muitas vidas que antes e depois de Abril se têm definido em função daquilo que foi o fascismo português… e da luta contra o mesmo. Por outro lado, o fascismo e necessidade da sua existência é uma clara questão de legitimidade política. Hoje, como na segunda metade da década de 1970, parece que só tem direito à democracia quem tem experiência de luta antifascista ou genes antifascistas recebidos por via familiar ou por militância política.
Mas a questão do fascismo e da permanente evocação da sua existência em Portugal não se resume à caracterização daquilo que terá sido o “tempo da outra senhora.” Depois de Abril de 1974, a “Aliança Democrática” do Dr. Sá Carneiro, do Dr. Freitas do Amaral e do Arquitecto Ribeiro Teles foi-o indiscutivelmente para muita esquerda portuguesa quando era eu um rapaz com 13 ou 14 anos. Cavaco também foi fascista, assim como o PSD que conquistou duas maiorias absolutas em eleições livres e justas nos longínquos anos de 1987 e 1991. Recordo-me, por exemplo, de uma retórica absurda sobre o tema utilizada em discurso parlamentar pelo Dr. Almeida Santos. Alberto João Jardim é “fascista”, e já lhe chamaram o “gauleiter” da Madeira. Há dois Governos atrás, Manuel Ferreira Leite era um, ou o, “Salazar de saias.” Hoje o fascismo, ou o “neo-salazarismo”, foi novamente ressuscitado. Porquê? Aparentemente por causa dos novos poderes concedidos à EMEL e aos seus fiscais, dos resultados da primeira fase no concurso os “grandes portugueses” e da votação para a escolha do “pior português de sempre.” Finalmente, também desabrochou por causa do desejo manifestado por boa parte do povo de Santa Comba Dão e pelo presidente da respectiva Câmara Municipal em construir uma casa museu e um arquivo em torno da figura do defunto ditador nascido naquelas terras em Abril de 1889 e lá enterrado, em campa rasa, em Julho de 1970.
A histeria antifascista chega a tal ponto que, no passado Sábado, regressado a Lisboa, e sintonizando a TSF, ao ouvir uma notícia da reunião de um grupo de antifascistas naquele concelho do distrito de Viseu pensei que na madrugada teria fracassado em Portugal uma tentativa séria de instauração do fascismo em Portugal, ficando sem perceber se através de uma marcha sobre Lisboa, se de um golpe militar.
Ninguém mais do que eu respeita as vítimas do salazarismo. Gente que morreu ou mal sobreviveu durante anos ou décadas, no país e no estrangeiro, para que Salazar, e depois Marcello Caetano, deixassem de ser poder e, com isso, pudesse eventualmente ser instaurado em Portugal um sistema político de liberdade e democrático. No entanto, é óbvio que toda a agitação existente em torno do advento do neo-salazarismo é exagerada. Desde logo porque nem concursos, nem casas museu, nem os fatos às riscas do Dr. Paulo Portas são suficientes para instaurar o fascismo ou o neo-salazarismo. Mas sobretudo porque o “neo-salazarismo” – se existir – não está identificado. Qual é a ideologia? O que é que consta no programa? É um movimento, um partido? Vários movimentos e vários partidos? Qual é a sua “base social de apoio”? Eu que, como muita gente, assistiu à forma como a extrema esquerda se comportou há dias em Copenhague por causa da evacuação de um imóvel ocupado ilegalmente, numa demonstração de violência extrema que, felizmente, não é permitida aos neo-salazaristas em Portugal, não deixo de me interrogar sobre as razões de tamanha excitação. Sobretudo quando ela vem de gente inteligente, racional e politicamente madura e moderada. Talvez alguém saiba responder.
Mas também não vale a pena perder muito tempo. Afinal há por aí muito mais questões políticas, sociais ou outras que merecem a nossa atenção. Seria curioso, aliás, que o putativo neo-salazarismo viesse agora contribuir para branquear não só a desastrosa governação do nosso querido Governo da República, como o triste estado em que se encontra a sua oposição à direita, por mais que eu seja um apreciador prudente do Dr. Marques Mendes. E finalmente, para dar um módico de força, de coesão e de projecção mediática à esquerda do PS, ao BE e ao PCP. Afinal o aborto liberalizou-se e o casamento de homossexuais não se encontra, ainda, na agenda política à esquerda do eng. José Sócrates.
Adenda: Já que estou com a mão massa, recomendo vivamente este texto do Pedro Picoito no "Cachimbo de Magritte". Isto não significa que Pedro necessite de publicidade.
1 Comments:
Claro que necessito! Então, depois da longa noite do fascismo, não tenho direito aos meus 15 minutos de fama democrática?
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