segunda-feira, dezembro 04, 2006

Percepções e democracia

Ontem, em entrevista ao Diário de Notícias, D. Duarte Pio elogiou Eanes, Mário Soares e Cavaco Silva na sua tentativa de agirem como fossem reis. Depois declarou: «Se o Dr. Jorge Sampaio tivesse seguido essa via, não teria optado um dia, pelos motivos que se sabem, por demitir o Parlamento». Ou seja, com D. Duarte Pio como Rei, Pedro Santana Lopes teria garantido o cumprimento da legislatura até ao fim,
Eu não vejo neste cenário razão para piadas fáceis. Acredito que estas afirmações de D. Duarte Pio reflectem o ponto de vista de um sector da sociedade portuguesa para quem a democracia é um conceito mal assimilado. Admito que a decisão de Sampaio, quando foi tomada, levantasse dúvidas, mas depois de umas eleições que deram pela primeira vez maioria absoluta aos adversários do partido e do primeiro-ministro no Governo?
Pedro Santana Lopes é um enigma no quadro político português: o primeiro-ministro mais populista de sempre foi derrubado em sufrágio popular e colocado no poder pelas nossas «elites políticas»: o Conselho Nacional do PSD, o actual Presidente da Comissão Europeia e o então Presidente da República. Ao argumento de que o eleitorado vota num «partido», e não num líder, faço uma pergunta simples: têm a certeza de que, se o sucessor de Durão Barroso fosse escolhido em Congresso, Santana Lopes seria o eleito? Não me parece provável, pois Santana nunca ganhou nenhum Congresso do PSD. Na altura em que o ex-primeiro-ministro publica o seu livro de memórias, o caso volta a ser lembrado, com muito humor, muito acinte, muita fulanização. Eu acho que seria mais razoável pensar em formas de evitar a repetição de uma história destas. A minha proposta: em caso de necessidade de substituição do primeiro-ministro, o sucessor seria eleito em Congresso especial do partido que apoiasse o Governo, ou, no mínimo, pelo respectivo grupo parlamentar. Por favor, não me digam que não votam no PSD e portanto a história não tem nada a ver convosco. Se o primeiro-ministro não é credível quem se queima não é só o seu partido, mas todo o país.

11 Comments:

Blogger Gabriel Silva disse...

Meu caro, eu também acho que Sampaio fez um erro enorme, pelo qual ficará na história. Não a dissolução. Isso foi a tentativa de o seu próprio erro passar a tragédia. Não. O erro foi ter aceite PSL. Isso é que foi mal. Não por razões políticas. Nada haveria a dizer sobre o facto de um líder substituir outro. É a normalidade parlamentar. Não. O problema não era político, era a pessoa. Foi a pessoa. Contrariado, mas para não abdicar de um principio, aceitou. Para remendar teve de abdicar de outro principio.
Qual era o problema de JS ter dito: aceito quem quiserem, esse senhor é que não? só lhe ficava bem, e todos agradeciamos. Mas ele, JS, teve medo. Medo que depois PSL ganhasse e o tivesse que aturar 4 anos. JS também foi dos que mais acreditou em PSL.

11:21 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

"Têm a certeza de que, se o sucessor de Durão Barroso fosse escolhido em Congresso, Santana Lopes seria o eleito?", pergunta o João. Bem, Santana Lopes foi eleito (esmagadoramente) no congresso do PSD logo a seguir a ter sucedido a Barroso na chefia do governo.

Quanto ao senhor D. Duarte, o que parece ter querido dizer é que nunca dissolveria um Parlamento (a meio de uma legislatura) no qual houvesse uma maioria disposta a continuar a governar. Ficamos a saber que o João tem mais simpatias por chefes de Estado com outros princípios.

Aliás, convém que o chefe de Estado paute a sua acção por princípios bem definidos e não por apreciações subjectivas do género "este é o primeiro-ministro mais populista de sempre" (João referindo-se a Santana Lopes) ou "este é o pior governo desde D. Maria I" (o falecido Sousa Franco sobre o governo de António Guterres, do qual acabara de sair).

2:31 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Luís e Gabriel,

Quanto à eleição esmagadora de Santana Lopes no Congresso do PSD, ela deu-se depois de Santana ter sido escolhido para primeiro-ministro. Para mim é um exemplo das entorses do sistema, porque eu não acredito é que ele fosse eleito em Congresso se aí se escolhesse o sucessor de Durão Barroso. E isto não é um devaneio meu: ele nunca ganhou nenhum Congresso do PSD antes de ser primeiro-ministro.
A democracia não pode ser uma mera ratificação das escolhas das cúpulas. Foi-o neste caso e acho que se devia tirar as ilações necessárias para evitar a repetição de uma situação destas.
Não percebo como é que se fala da decisão de Sampaio em dissolver o parlamento como pura subjectividade, depois dos resultados das eleições legislativas. Foi um risco. Santana Lopes podia ter ganho as eleições e o Presidente da República ficava numa situação muito delicada. O resultado das eleições mostrou que a percepção do Presidente estava certa: o Governo não merecia a confiança da maioria dos portugueses e o executivo era um factor de instabilidade.
Por princípio, acho que um Chefe de Estado não deve dissolver o parlamento se a maioria está disposta a Governar. Mas também acho que todas as regras têm excepções e este caso foi uma excepção. Nisto, concordo com o Gabriel. Também penso que um Presidente da República teria condições políticas para recusar um determinado nome como chefe do executivo, mas não um Rei. Por isso, este caso é um argumento da favor da República.

2:55 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

2:57 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

O Rei deveria ter as competências que tem hoje o presidente para nomear o chefe do governo, o que o impediria de aceitar nomes inconvenientes atirados para a frente por processos partidários duvidosos como o que levou a direcção do PSD a avançar com Santana Lopes. Aliás, as actuais atribuições do presidente nessa matéria são decalcadas das atribuições que o Rei tinha sob a Carta Constitucional que vigorou até 1910 (diferentes das que lhe dava, por exemplo, a Constituição de 1911). A comparação entre os dois modelos de chefia de Estado é matéria complexa e que teria de considerar muitos mais casos do que este único.

5:05 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

"Acredito que estas afirmações de D. Duarte Pio reflectem o ponto de vista de um sector da sociedade portuguesa para quem a democracia é um conceito mal assimilado"

O João Miguel Almeida que me desculpe, mas eu acredito que o seu post reflecte o ponto de vista de um sector para quem o liberalismo constitucional é um conceito mal assimilado.

Concordo com o que escreveram o Gabriel e o LAS, e tenho dificuldades em compatibilizar a sua refutação da subjectividade da decisão de Sampaio com a defesa de que este caso foi uma excepção a uma regra de princípio.

Também não concordo com a sugestão do congresso obrigatório. Seria (mais) uma intromissão na organização e nos mecanismos internos dos partidos. Os partidos não têm de ser democráticos - nem devem, e não deve ser a lei a forçar que aos seus líderes seja exigível alguma especíe de legitimidade democrática.

Quanto à legitimização do "risco" presidencial pelos resultados eleitorais, é assunto já muito batido, mas sempre lhe digo que existindo presidente com faro político, é bem possível que sejam mais excepções do que a regra. É, essencialmente, a cedência da legitimidade dos hábitos e das práticas constitucionais à legitimidade democratista - um erro tremendo.

Finalmente, não vejo inconveniente nenhum na possibilidade do Rei recusar um nome para primeiro-ministro; como também não veria grande mal se ela fosse retirada ao presidente (ou o rei não a tivesse) embora, nesse caso, fossem necessários outros arranjos constitucionais.

E quer-me parecer que D. Duarte se referia, não apenas ao caso Santana Lopes, mas também à cedência do Sampaio à realização de novas eleições aquando da demissão do Guterres.

5:08 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro HO,

Eu também não percebo como é que concilia a ideia do liberalismo constitucional com a de que «os partidos não têm de ser democráticos - nem devem, e não deve ser a lei a forçar que aos seus líderes seja exigível alguma espécie de legitimidade democrática.» Se a lei não garante a legitimidade democrática o que é que a garante?
Já que falamos de sectores, eu é que não percebo como é que alguns estão tão preocupados com o «centralismo democrático» do PCP, um partido que não tem no seu horizonte imediato chegar ao poder, mas não se preocupam em evitar distorções democráticas nos partidos que têm partilhado o poder em Portugal.
O caso de Santana Lopes não tem apenas a ver com a vida interna de um partido, mas sim com a escolha de um primeiro-ministro e de um Governo. A mudança de primeiro-ministro correspondeu a uma inflexão política não sufragada pelos eleitores. A verdade é que partidos como o PSD, PS ou CDS têm diversas sensibilidades ou tendências e a mudança de líder só é irrelevante para o partido se ele não representar uma tendência diferente.

12:11 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Caro João Miguel Almeida,

Apenas para explicitar a questão do liberalismo constitucional vs. democraticidade dos partidos: sendo os partidos máquinas de conquistar e exercer o poder político, é aceitável que estejam sujeitos a regime legal especial que os diferencie de outras associações civis - transparência nas contas e escrutínio dos membros, via fiscalização de poderes públicos, por exemplo; daí a que seja beliscada a autonomia na escolha dos chefes partidários vai um grande passo, que eu não dou.

Pessoalmente, acredito que partidos opacos, fechados e com mecanismos fortes de hierarquia e autoridade são de maior utilidade ao regime democrático - o resultado do surgimento de mecanismos como directas e primárias, ideias bem intencionadas, está à vista, por exemplo nos EUA. Mas não é isso que corrompe a minha opinião: a legitimidade de um lider partidário é a outorgada pela conformidade com os estatutos do partido, não pelo estabelecimento de critérios casuísticos com base numa putativa legitimidade pública de que deve ser ungido.

Daqui discorre que, se não gosto do centralismo democrático do estado, nada me incomoda o do PCP; e que não reconheço aos poderes públicos o direito de interferirem, condicionando-a, na luta entre tendências e facções no interior dos partidos (se, por hipótese, e no limite, um primeiro-ministro perdesse o apoio do seu partido mas mantivesse, indubitavelmente, o dos eleitos desse partido no parlamento, não lobrigo razões para intervenção através de mecanismos constitucionais).

Em suma, creio que na legislação nativa já se foi longe demais no que diz respeito a esta matéria.

12:24 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Hugo Oliveira,

Creio que a discussão ficou muito presa à ideia de «sectores» e ao «caso Santana» - antes do seu último comentário que expõe uma doutrina.
Se Sócrates saísse de primeiro-ministro e lhe sucedesse Helena Roseta, sem ser eleita em Congresso nem pela bancada parlamentar do PS (eleição é diferente de ratificação) eu penso que estaríamos perante outro entorse democrático. A política do Governo mudaria, sem haver mudança de partido ou qualquer expressão de nova vontade do eleitorado.
Não creio que os poderes públicos devam interferir na luta entre facções dos partidos, mas creio que a existência dessas facções e os seus eventuais efeitos perversos na distorção dos mecanismos de representação devem estar previstas pela lei.

1:05 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Enfim, tudo menos vermos a família deste débil mental do duque de Bragança de volta a Belém.

7:18 da tarde  
Blogger mch disse...

Caro Anónimo
Parece-me débil, sim, refugiar-se no anonimato. Mas enfim... Há gente para todos os gostos!

Quanto À substância do debate, creio que o centro reside numa boa representação. Eu gostaria que passássemos dos presidentes-rei, do sistema semi-presidencialista, com excesso de poderes de intervenção, para os reis-presidente, com menos autorizações legislativas ao governo e mais intervenção da assembleia. É por aí que passa o reforço da democracia, pela representação em todos os seus níveis. A carismática, simbólica, ou como quiserem chamar, com o rei; a executiva como o governo; e a das opiniões como o parlamento.
Finalmente, estou "tramado"! Ando a tornar-me um leitor do Amigo do Povo. Será que estou a ganhar tempo ?

4:37 da tarde  

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