quarta-feira, novembro 29, 2006

Cardia contra a «nebulosa de esquerda» em 1974

À União Nacional da ditadura podia ter sucedido uma «união de esquerda» durante o período revolucionário? Que papel é que desempenhou Mário de Sottomayor Cardia durante a transição para a democracia? Eis questões às quais a História sobre o período revolucionário, ainda nos seus primórdios, deve responder. Este meu post, apresentando uma memória sobre a tese de Cardia do risco da diluição dos recentes partidos de esquerda no MDP, foi contestado. Não só por pessoas adeptas da visão do PCP sobre o assunto, mas também por historiadores afirmando desconhecer documentos sustentadores da tese. Não sendo eu um especialista da época, transcrevo aqui excertos de um documento que, pelos vistos, é pouco conhecido, mas útil para a História e o debate a fazer. Trata-se de uma entrevista de Sottomayor Cardia ao jornal «A Capital» em 30 de Agosto de 1974. Os sublinhados são meus:
«Desde a sua fundação como partido o Partido Socialista encontra-se estreitamente ligado à C.D.E. Aliás vários dos seus actuais dirigentes militam na C.D.E. desde o seu lançamento, em 1969. A C.D.E. é uma forma de actuação que vem do passado e o Partido Socialista nunca preconizou a sua morte artificial. Nesse ponto, subscrevo inteiramente uma concepção que foi apresentada no sentido de que o M.D.P. devia ter uma morte dialética. Morte dialética não pode, porém, confundir-se com uma reanimação artificial. Ora o que se verifica é que, de facto, o M.D.P. está a cumprir uma das suas funções que é a de encaminhar os democratas para as opções partidárias que melhor lhes correspondam. Na medida em que se constitua como travão a essa orientação e definição dos democratas, transforma-se numa estrutura de índole antidemocrática e antipluralista. Nomeadamente, se pretende arrogar-se uma representatividade das forças antifascistas ou das forças de esquerda, para a disputa do acto eleitoral, entra no domínio do absurdo.
Prosseguiu o dr. Sottomayor Cardia:
- No passado, a C.D.E. disputou eleições porque, nessa altura, a unidade possível era a unidade entre democratas e não a unidade pública entre partidos. Hoje, há partidos e partidos fortemente implantados. Assim, a unidade entre as forças antifascistas e democráticas e nomeadamente as que constituem a coligação governamental deverá ser uma unidade responsável, em que cada um sabe quem são os parceiros e não apenas uma mera nebulosa. Cada um deve ter a noção de qual é a força relativa dos aliados. Ora a representatividade das forças coligadas só pode ser aferida por disputa eleitoral entre listas partidárias sob a égide de partidos ou, eventualmente, de coligação de partidos. Mas isso é completamente diferente da imprecisão que, por razões de segurança, era necessária no passado, mas se tornou inadmissível agora. Somos revolucionários e não conservadores, a menos que se estivesse, o que seria reprovável, perante um fenómeno de encobrimento.
- Afirma-se no comunicado do Partido Socialista que “sem concorrência partidária não há democracia”. Qual o significado da afirmação e até que ponto, pretendendo o M.D.P. disputar as eleições, obsta essa “concorrência partidária”?
- Não a entravará se a si mesmo se constituir como partido. Mas, nessa altura, provavelmente, deixará de ter a colaboração da maioria dos seus dirigentes. Dificilmente se concebe que entre os quadros dirigentes se encontre uma maioria de pessoas que não tenha ainda uma definição partidária.
- O Partido Socialista afirma que “seria ofensa ao eleitorado democrático retirar-lhe a opção entre as diversas organizações partidárias de esquerda ou compreendidas entre a esquerda e o centro-esquerda. Pretendendo o M.D.P. disputar as eleições não terá então o eleitorado uma nova opção?
- O M.D.P., segundo julgo, gostaria que o Partido Comunista, o Partido Socialista e não sei se o P.P.D. não concorressem com listas próprias às eleições. Ora isso seria retirar ao eleitorado uma opção. Se a C.D.E. de Lisboa vier a transformar-se em partido, será naturalmente uma organização partidária como as outras. Logo, os seus militantes e aderentes não o poderão ser igualmente de outros partidos. Quanto a nós, uma vez verificada essa tendência, retiramos os nossos militantes e aderentes da actividade da C.DE. de Lisboa.»

6 Comments:

Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Caro João, eu não contestei nada. Pelo contrário, sempre parti do princípio que a tese frentista estava provada e não era contestada (num texto que escrevi na Causa Liberal em 2004 sobre o 25 de Abril dava-a como adquirida). A minha ideia era que havia gente do PS e do PPD que a apoiava; o interesse do PCP nisso nunca me levantou dúvidas. Aliás, continuo convencido que o PCP teria gostado muito de hegemonizar uma experiência desse tipo nas primeiras eleições livres, para as poder reclamar como vitória sua.

Na troca de impressões que aqui houve apenas fiquei com a impressão de que o frentismo no MDP não era tão declarado como eu imaginava - daí a minha maior reserva, como a prudência aconselha. Mas que o PCP deve ter tentado impingir essa ideia, tenho poucas dúvidas. A questão para mim é esclarecer-se o acolhimento que a ideia tinha dentro do PS e do PPD (que eu julgava estar identificada e "provada").

11:29 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Luís, a questão passará também por definir «frentismo». Na altura em que Cardia dá a entrevista ainda não havia ruptura entre o PS e o PCP. O que está em causa, como se percebe na entrevista, é se uma eventual «frente» devia consistir numa coligação eleitoral, em que a autonomia e responsabilidade negocial dos partidos estivesse bem definida ou correr-se o risco de amálgama das diversas correntes políticas de esquerda na CDE.

3:13 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Exacto. Até por isso me parece provável que houvesse no PS (e no PPD) quem defendesse listas comuns.

4:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

ó palhaços e se fossem bulir hã...a discutir se a morte matou a bezerra ou se foi a bezerra que matou a morte...
sinceramnete n vejo voçes com cara de quem produz...deixem-se de mariquiçes q vão trabalhar....
Olhem seus bloguistas ferrenhos, o país só vai prá frente se houver produção não só qualitativa como quantitativa....
Já agora o palhaço do vosso colega q fala da entrevista do Mário S. Cardia porque razão nao quer receber comentários?
Tem medo de ler verdades ???
Desde qd q ele conheçe o homem????
Desde qd q ele privou com ele?
Que eu saiba, e era intimo do MSC, ele n fazia parte do circulo de amigos nem de ouvintes q habitualmente se encontravam lá...
Por favor Vão Trabalhar...mísérias franciscanas...

9:22 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

O anonimato é uma cobardia. Que um cobarde se diga amigo íntimo de Sottomayor Cardia é que é uma palhaçada. Eu não era amigo de Cardia, embora ele fosse amigo de pessoas da minha família. Se só se escrevesse História sobre pessoas que conhecemos não havia História, mas apenas memórias pessoais. O meu post transcreve uma entrevista que está publicada e pode ser consultada por quem quiser.

4:23 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Remetendo os leitores mais pacientes ou interessados para os dois comentários que fiz ao post de José Leitão no seu blogue inclusaoecidadania.blogspot.com, permito-me reeditar aqui partes do meu segundo e último comentário em que, mais uma vez, invocando a minha qualidade de dirigente nacional do MDP à época,nego de forma absoluta e radical a existência de qualquer projecto ou ideia de criar um frentismo e«eleitoral que reunisse o PCP, o MDP, o PS e o PSD.
E sublinho que, tendo sido amigo dele durante mais de 35 anos, algumas opiniões de Cardia (como a que é transcrita da entrevista citada) não valem mais do que outras opiniões incluindo a minha.

Rezava assim o meu último comentário:

Caro José Leitão:

Despeço-me desta pequena mas interessante controvérsia (embora o meu amigo tenha naturalmente direito à última palavra) com as seguintes observações:

1.Perdoe-me a franqueza, mas certamente de forma involuntária a natureza e caracteristicas da sua resposta, a meu ver, acabaram por lançar um certo «nevoeiro» sobre o que, de facto, eu entendia estar em discussão entre nós.

2. Com efeito, até fui eu que sublinhei que o problema realmente existente era a oposição do PS a que o MDP concorresse a eleições e portanto não era aí que estava a nossa discrepância de opiniões.

3. Essa discrepância estava sim na sua tese ou de Sottomayor Cardia de que havia um projecto ou plano que afectaria a autonomização eleitoral do PS ao pretender que PS e PPD concorressem em listas do MDP. E foi isso que eu contestei sob a forma, que creio expressiva, de dizer que nunca até ontem tinha ouvido falar de tal coisa.

4. Ora, quanto a este ponto, a sua resposta não aduz nenhum elemento de comprovação a não ser - infiro eu - que essa teoria terá sido referida ou sustentada pelo M.S. Cardia no tal artigo do «Acção Socialista» ou noutro material qualquer que também não li e não conheço.

5.Embora não seja hora para estar a dizer estas coisas, se isso de facto aconteceu com o Mário S. Cardia, com todo o respeito pela sua memória, eu só posso dizer que ele efabulou, conjecturou ou se equivocou, tudo coisas que, de vez em quando, também entraram no seu percurso como terão entrado no meu.Aliás, é necessário ter em conta que esse processo decorre num período em que MSC na minha opinião estava extremamente crispado e desconfiado em relação ao PCP e a membros do MDP (...).

6.Aliás, o José Leitão transcreve desse artigo de SC no «A.S.» de 2003 que «O Secretariado Nacional(do Partido Socialista) denunciou o projecto como inaceitável(28 de Agosto)». Mas a citação não desvenda nem define qual era o célebre projecto.E, caro José
Leitão, o projecto só podia ser o de o MDP concorrer a eleições e, nunca por nunca ser, o de fazer o PS e o PSD concorrerem nas listas do MDP.

7. Isto mesmo me parece claramente confirmado pelo comunicado de resposta da Comissão Política do PCP de 29.8.74 que arranca assim : «O PCP tornou conhecimento, através do Diário de Noticias de hoje, de um comunicado do Partido Socialista relativamente ao Movimento Democrático Português, onde o PS anuncia a decisão de retirar o seu apoio à CDE de Lisboa, “enquanto a CDE de Lisboa não declarar, e agora explicitamente, que não disputará as eleições para a Assembleia Constituinte”. O PCP entende dever manifestar a sua surpresa por tal decisão, que não é de molde a reforçar a unidade das forças democráticas, particularmente necessária num clima político marcado por várias tentativas da reacção para passar à ofensiva».(O texto integral do comunicado pode ser lido em http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=251&Itemid=154 )

8. Repetindo que o ponto que contestei foi o alegado plano para liquidar a autonomização eleitoral do PS (levando-o mais o PPD a concorrer em listas do MDP), creio, estimado José Leitão, que basta reflectir um bocadinho para se concluir que um tal suposto plano seria além do mais completamente idiota porque bastaria a vontade e as decisões próprias do PS e do PPD para o mandarem para o caixote do lixo da época.

Com toda a consideração,e pedindo desculpa pela extensão do texto, receba um abraço do
Vítor Dias

4:42 da tarde  

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