segunda-feira, dezembro 11, 2006
Porque a história recente do Chile (como a realidade em geral) é muito complexa, convém saber algumas coisas concretas sobre os dois homens que mais marcaram aquele país nas últimas décadas do século XX (aqui e aqui). Por mais politicamente incorrecto que seja dizê-lo, e como liberal, prefiro o legado de Pinochet (o Chile em 1990) ao de Allende (o Chile em 1973).
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17 Comments:
muito bem. qualquer um de nós viveria melhor num do que no outro...
O que está a dizer então é que, como liberal, tanto lhe faz como se chega ao poder, o que se faz aos seus concidadãos enquanto se lá está e o que se rouba nesse tempo. Também não importa que a liberdade seja retirada das outras esferas da vida e apenas exista em termos económicos e para os mais ricos. O que interessa é que se aplique o liberalismo. Muito bem.
Ainda assim talvez fosse boa ideia lembrar, fora de quaisquer análises económicas, que Pinochet pôde escolher as condições em que deixou esse legado e que Allende não teve a mesma possibilidade.
São muitos "mas" mesmo para o mais empedernido liberal. Ou pelo menos assim eu pensava.
Eu não fiz o elogio de nenhum dos regimes. Limitei-me a dizer que preferia viver no Chile de 1990 do que no Chile de 1973. O que se passou em 1973 não pode ser visto como uma conspiração do general (e maçon) Pinochet para "tomar o poder"; parece claro que era dos generais mais relutantes em fazê-lo. O que também não se pode é fazer de conta que Allende era um político "democrático" normal, quando levara o Chile para o caos económico e para a guerra civil iminente e acabara de ser destituído por um parlamento eleito tão democraticamente como ele próprio (estando em conflito igualmente com o Tribunal Constitucional). O golpe de 1973 e as arbitrariedades que se lhe seguiram (e que eu não nego) vêm na sequência deste estado de coisas que devemos ter presentes.
Meu caro Luís, em Pinochet não se julgam as condições "objectivas" que o levaram ao poder. Julga-se a sua acção enquanto chefe de uma ditadura inqualificável. Jamais aceitaria compreender Fidel à luz do fim do analfabetismo em Cuba, de Hitler à luz do fim do desemprego na Alemanha ou Salazar à luz do crescimento económico nunca visto nas décadas de 1950 e 1960. Todas as ditaduras têm aspectos positivos - a Rússia de Estaline, por exemplo, não era só gulags e bombas nucleares. É, aliás, fácil e comprteensível encontrar "aspectos positivos" em quase todas as ditaduras. Mas ditaduras, são ditaduras, mesmo que não sejam todas iguais. Esperemos agora que Fidel morra para ver se Cuba muda para melhor. Já é tempo!
Caro Fernando, não me verás a fazer o elogio de qualquer ditadura, muito menos por razões "utilitárias". O que quis dizer é que me parece que a história em relação ao que se passou no Chile em 1973 está quase sempre mal contada, como se a alternativa fosse entre uma democracia como a conhecemos e o Sr. Pinochet. A verdade, um tanto ou quanto aborrecida, é que sem Allende não teria havido Pinochet. E as apreciações que se fazem do primeiro, sem esta contextualização, são simplistas. Da mesma forma, a comparação com Fidel parece-me absurda, desde logo pela desigualíssima duração das duas ditaduras, pelos seus alinhamentos geoestratégicos durante a guerra fria e, sim, pelos seus resultados culturais e económicos (indiferentes talvez para nós, mas não para os respectivos povos).
Quem podia ter causado uma guerra civil era Pinochet. Tal não aconteceu porque Allende não tinha apoio nas forças armadas e os civis que o apoiavam estavam desarmados, sendo facilmente massacrados.
A transição para a democracia do Chile é indissociável do papel do seu aliado, os EUA, de apoio ao regime. Com o degelo da Guerra Fria, nomeadamente a «perestroika», Pinochet tornou-se uma personagem cada vez mais incómoda, expondo a contradição aguda entre o «realismo» norte-americano e os seus ideais democráticos.
Quanto à duração das ditaduras, não vejo como é que podem ser critério para avaliar a bondade de qualquer regime. O nazismo e o fascismo italiano duraram muito menos do que o Estado Novo.
Quanto ao legado de um ou outro, a minha posição é muito particular. O melhor professor do complementar que tive no colégio S. João de Brito foi um chileno que fugiu às perseguições de Pinochet. Devo-lhe muito do que tenho de melhor, tal como outros portugueses que se têm afirmado no jornalismo e na universidade. Foi para mim um exemplo raro de competência, honestidade, civismo e humor. Hoje como então podia criticá-lo, mas é uma das pessoas a quem mais devo o meu sentido crítico.
Luís, é óbvio que Pinochet "aconteceu" por causa de Allende. Mas Pinochet não foi aquilo que foi por causa de Allende. As circunstâncias são sempre muito importantes mas jamais conseguem explicar tudo.
Fernando, em teoria, concordo: as circunstâncias não explicam tudo. Eu apenas quis alertar para a sua importância no golpe de 1973 - importância que vejo, por exemplo (e correctamente), aplicada por (quase) toda a gente à ditadura de Fidel e aos seus "antecedentes" em Baptista. Quero entender, não quero justificar.
João, o recurso neste contexto a uma nota autobiográfica sobre um professor opositor de Pinochet (quase pondo-me no papel de detractor da idoneidade desse docente) é um recurso retórico um bocadinho estranho. Quanto às ditaduras, bom, o fascismo e o nazismo caíram sob uma guerra mundial - sem ela (e sem a acção hostil dessa maléfica potência da guerra fria que foram os EUA) estariam para durar muitas décadas; talvez tantas quanto o comunismo soviético.
Muito bom.
Esperemos sinceramente que os teus filhos passem pelo que passaram as vitimas de pinochet...
Já eu, caro José Pereira, espero que os seus filhos não passem pelas arbitrariedades de nenhuma ditadura, nem mesmo das mais "doces", "românticas", "progressistas" ou "sociais"...
Caro Luís,
Não vejo abuso retórico no meu comentário, pois o texto fala em legados (sic). Ora eu considero justo que se avalie o legado de Allende pelo que fizeram os que foram perseguidas por estarem associados a este nome (o que não é o mesmo que serem fiéis depositários de uma ortodoxia). É o caso do meu antigo professor, mas também de escritores exilados chilenos como Isabel Allende ou Luís Sepúlveda, para citar os mais conhecidos, ou o sociólogo Raul Iturra.
O «legado» de Pinochet foi não só destruir vidas mas também impedir o contributo que estas pessoas podiam dar à vida política e cultural do seu país. Felizmente, algumas deixaram obra no estrangeiro.
Quanto ao papel dos EUA pode ter sido benéfico na luta contra o fascismo e o nazismo, mas, sim, foi negativo no Chile, em Timor-Leste e no Iraque.
correcção: «foram perseguidos»
Não concordo que as virtudes pessoais de apoiantes de Allende (ou de perseguidos por Pinochet) adiante alguma coisa no esclarecimento das virtudes políticas do ex-presidente socialista do Chile - o mesmo aplica-se a Pinochet. Dito isto, não menorizo os dramas pessoais e familiares provocados pela ditadura de Pinochet, mas também não consigo menorizar a gravidade da situação chilena no fim do governo de Allende.
A política é um meio de grande responsabilidade, no qual não convém que nenhum actor relevante se coloque (ou seja colocado) no papel de vestal. É que, como disse Ortega y Gasset sobre a revolução francesa, não se inicia uma revolução sem se provocar uma contra-revolução; Allende estava a dar todos os passos para uma revolução. O que não se pode é fazer depois o papel de virgem ofendida quando o outro lado decide agir.
Gostaria que isto fosse compreendido fora do moralismo simples, como se eu estivesse a fazer a apologia de Pinochet.
Quanto a Timor Leste e aos EUA, julgo que houve um país (e, nesse país, actores políticos concretos) que foi o único grande responsável pelo que lá aconteceu em 1975; comparada com a responsabilidade desse país, a dos restantes (como os EUA) foi pouca. E "esse país", como tu sabes, chama-se Portugal.
Não vejo em que é que as virgens ofendidas são para aqui chamadas. Errar é humano. Matar é criminoso. Essa comparação com a Revolução francesa é bastante forçada. O Chile era um país com tradições democráticas, se houve execuções foram feitas pelos esbirros de Pinochet e não houve julgamentos, nem sequer farsas de julgamentos.
Quanto a Timor-Leste, é evidente que Portugal também teve culpas no que aconteceu.
O conceito de «legado» não foi introduzido por mim nesta discussão, mas é fundamental para entender um movimento político. Até é possível que alguns exilados políticos chilenos tenham evoluído muito. Mas esse também é um facto a ter em conta. Nunca ouvi dizer que «ex-fascistas e ex-nazis dão bons social-democratas». Veja-se o que fizeram os nazis refugiados na América Latina.
O meu professor dizia que tinha amigos de esquerda e direita (incluindo um monárquico com bigodes), não tinha amigos radicais. E que «quem está seguro das suas convicções não tem de ter medo das convicções dos outros». Ora bem.
Não percebo muito bem o que é que a afirmação de que ex-fascistas e ex-nazis não dão "bons" sociais-democratas tem a ver com o assunto, mesmo quando se fala da "evolução" política de marxistas (a propósito, havia fascistas e nazis no Chile nos anos 70?). Eu estaria mais esperançoso que dessem "bons" liberais... De qualquer forma, com ou sem evoluções para a social-democracia, os nazis (nacionais socialistas) e os fascistas (criados pelo socialista Benito Mussolini) já são da "família". Quanto aos marxistas, há muitos que nunca evoluíram para lado nenhum e houve muitos outros que evoluíram para outras posições fora da galáxia socialista. Isso não invalida que se discuta o que fizeram e defenderam em determinada altura. Eles e quem quer que seja. É por isso que eu, apesar de ter cometido a terrível imoralidade de dizer que o Chile de 1990 era melhor que o de 1973, não tenho dúvida em dizer que Pinochet tem de ser moralmente responsabilizado por todas as sacanices que tenha cometido ou que tenha deixado cometer. Tal como todos os actores políticos.
"sacanices" é um termo deliciosamente doce...diz tudo sobre quem o escreveu.
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