segunda-feira, novembro 27, 2006

Clássicos para o Povo: Edmund Burke in Love

A propósito do filme de Sofia Copolla, Marie Antoinette - aliás, estranhamente lido pela maioria da crítica apenas como um conto de adolescente perdida quando tem muitas pistas políticas para bom entendedor - ocorreu-me, esta bela declaração de amor do seriamente filosófico Edmund Burke. Houve quem na época explicasse toda a crítica à Revolução Francesa deste velho e perigoso esquerdista - que, apesar de britânico, tinha apoiado os revolucionários norte-americanos e denunciado abusos imperialistas na Índia - pela devoção platónica de Burke pela jovem rainha francesa que ele tinha contemplado embevecido algumas dezenas de anos antes. Parece evidente que ela terá desempenhado algum papel na violência da denúncia, mas nem por isso o conjunto de argumentos perde peso. Ganham apenas outro charme. Aqui fica a passagem charmant essencial, a recordar-nos o quão interessante pode ser a história sentimental:
It is now sixteen or seventeen years since I saw the queen of France [Marie Antoinette], then the dauphiness, at Versailles; and surely never lighted on this orb, which she hardly seemed to touch, a more delightful vision. I saw her just above the horizon, decorating and cheering the elevated sphere she just began to move in,—glittering like the morning-star, full of life, and splendour, and joy. Oh! what a revolution! And what a heart must I have to contemplate without emotion that elevation and that fall! Little did I dream when she added titles of veneration to those of enthusiastic, distant, respectful love, that she should ever be obliged to carry the sharp antidote against disgrace concealed in that bosom; little did I dream that I should have lived to see such disasters fallen upon her in a nation of gallant men, in a nation of men of honour, and of cavaliers. I thought ten thousand swords must have leaped from their scabbards to avenge even a look that threatened her with insult. But the age of chivalry is gone. That of sophisters, economists, and calculators, has succeeded; and the glory of Europe is extinguished for ever.
Fonte: Edmund Burke, Reflections on the French Revolution, 1791.

10 Comments:

Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Este, sim, um clássico. E a passagem, digam o que disserem, é linda. Já o "esquerdista" é escusado, porque é tão desapropriado quanto chamar a Burke "direitista".

10:19 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Sabeis pouco sobre Burke, porque ele nunca defendeu a Revolução americana, mas apenas o princípio "no taxation without representation", nem a sorte dos indianos, senão o princípio de deixar os selvagens entregues às suas selvagens tradições. E claro que a discussão sobre de Burke é direita ou de esquerda é ridícula, porque ele é evidentemente de direita.

3:02 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Sobre a América, depende do que se entender pela "revolução": Burke apoiou os motivos da rebelião, mas não a separação (que, aliás, já não tinha sentido quando se consumou). Quanto à Índia, o anónimo ombreia com a ignorância de que nos acusa aqui: toda a argumentação de Burke no processo de impeachment de Warren Hastings era baseada no princípio de que os Indianos não eram "selvagens" (argumentação de Hastings), mas, pelo contrário, profundamente civilizados e com noções apuradas de Direito, pelas quais deveriam ser governados, mesmo que por administradores britânicos.

O discurso de Burke, no qual ele diz que a Companhia das Índias não tem poder arbitrário para dar aos seus administradores porque o Governo britânico não poder arbitrário para lhe conceder porque a Constituição britânica não o concede nem à Coroa nem aos Lordes nem aos Comuns, é talvez o melhor texto político que já li até hoje. E torna claro que Burke está para lá das mesquinhices absurdas (e francesas) da "esquerda" e da "direita".

6:18 da tarde  
Blogger Cláudia [ACV] disse...

O único comentário que me ocorre é este: devia ser pouco gira, devia.

9:00 da tarde  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro anónimo e caro Luís

Não existem conceitos políticos puros e infalíveis. O Burke era um deputado whig ou liberal por oposição aos tories ou conservadores. Não podemos aplicar a uns e outros no contexto da época o qualificativo de esquerda e direito porquê? Mesmo entre os whigs Burke foi frequentemente considerado um radical. Que isso não sirva agendas posteriores e leituras simplistas da sua obra não é problema meu.

Ele não apoiou à partida a separação das colónias americanas, mas foi a favor das negociações de paz que teriam necessariamente de resultar na independência. E claro que apoiou a revolução americana. Não vejo porquê colocar "revolução" entre aspas, quando na própria crítica à Revolução Francesa Burke deixa claro que é a favor de revoluções desde que indispensáveis para defender as liberdades e levem ao estabelecimento de regimes liberais e não a novas tiranias como a de 1688.

Cara Cláudia: my thoughts exactly!

9:12 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

E Jesus Cristo era marxista...

Ainda ontem comentei um post em que o reclamavam como liberal clássico:

«Todas as especulações são legítimas - então sobre Burke, parecem quase inevitáveis. Para o Corcunda é um conservador do Perene, para o CN é um liberal clássico, para outros é um relativista. Normal, sendo que há em Burke algumas aparentes inconsistências lógicas (principalmente se for abordado de uma perspectiva racionalista). Mas é precisamente por isso que será comum ser referido como um conservador.»

Estas grelhas analíticas dicotómicas, muito úteis, são muito propensas a conduzirem-nos mais a labirínticos semânticos do que a algum lado útil. Principalmente quando a cada um é inegável o direito de as arranjar a seu belo talante e sendo todos os homens filhos do seu tempo. Enfim, nestas coisas as definições pret-a-porter valem o que valem. Mas confesso que, emanando a terminologia da revolução francesa, e existindo poucas dúvidas, creio eu, quanto ao lado onde tomaria assento o Burke, acho giro que se defenda a tese do esquerdismo e, simultaneamente, se refutem leituras ao serviço de "agendas posteriores".

Não percebo como é que a posição de Burke quanto à revolução americana o desqualifica como conservador ou de direita: se houve algo de tão paradoxal como uma "revolução conservadora", foi a americana.

Mas anda bem a esquerda se reclama como seu o autor destas linhas:

http://oll.libertyfund.org/Texts/LFBooks/Burke0061/SelectWorks/HTMLs/0005-03_Pt02_Letter1-2.html

Quanto ao verdadeiramente importante: o trecho citado é belíssimo. Não sei se fará justiça aos encantos da jovem rainha, se apenas esta poderia fazer justiça ao texto.

11:25 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

O problema, Bruno, é que tu dás valor conceptual e analítico aos termos de "esquerda" e "direita"; e eles não valem peva...

12:04 da tarde  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Os conceitos valem o que os fizermos valer.

O problema de interpretar Burke é, como sempre, o de reconhecer que o pensamento dele evoluiu alguma coisa e não está livre de algumas contradições. Mas que são em todo o caso menores ao pé da manipulação dos que usam o pensamento dele para atacar todo e qualquer tipo de revolução ou progresso político, quando é evidente que ele não defende apenas a revolução americana ou a britânica de 1688 mas um determinado tipo de revolução com as características que referi acima.

Evidentemente que a esquerda e a direita parlamentares ou extra-parlamentares, como em geral a filosofia e a prática política, evoluiram com o tempo e o contexto (sobretudo no caso das correntes reformistas e gradualistas.) E portanto as posições concretas de Burke no final do século XVIII sobre, por exemplo, o sufráfio, podem hoje parecer conservadoras, mas na época os Tories eram bem mais conservadores e de direita nessa como noutras posições.

Concordo que é um belo texto.

2:56 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

"O problema de interpretar Burke é, como sempre, o de reconhecer que o pensamento dele evoluiu alguma coisa e não está livre de algumas contradições"

Nisto, concordo com o Viscount John Morley (este sim, um liberal) que escreveu "Burke often changed his front but never changed his ground".

"dos que usam o pensamento dele para atacar todo e qualquer tipo de revolução ou progresso político,"

«A state without the means of change is without the means of its conservation.» - um princípio básico do conservadorismo de direita.

"um determinado tipo de revolução com as características que referi acima."

Tipo de revolução com características similares? Aqui está uma abstracção especulativa bem ao jeito de um esquerdista e que Burke nunca aprovaria.

11:33 da tarde  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro HO você diz que Burke não aprova de tipos ideais mas acha que ele se inscreve perfeitamente no tipo ideal do conservador.

Devolvo-lhe o cumprimento, sempre me pareceu que um conservador inteligente saberia apoiar (embora raramente iniciar) um reformismo moderado.

Burke compara sistematicamente e negativamente a Revolução Francesa com o seu tipo ideal de Revolução a inglesa de 1688.

3:01 da tarde  

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