segunda-feira, outubro 09, 2006
Numa altura em que, apesar da protecção de muita imprensa, o governo José Sócrates pode estar a sofrer a sua primeira crise séria de popularidade e de credibilidade, tudo por causa da reforma – mais uma – do ensino (desta vez ao pretender alterar o estatuto da carreira docente nos ensinos básico e secundário), eu interrogo-me sobre a questão da avaliação de todo o funcionalismo público e cada vez mais em voga. No caso do ensino público, em particular, e do funcionalismo público, em geral, não consigo deixar de me interrogar sobre a legitimidade que os governantes portugueses têm para proporem a avaliação de umas centenas de milhar de outros portugueses que – tal e qual como os políticos – vivem do orçamento geral do Estado.
Isto é, ainda que os políticos sejam politicamente avaliados em eleições – o que é apenas parcialmente verdade uma vez que podem entrar e sair de listas eleitorais independentemente do seu valor uma vez que lá são ou não colocados pelos directórios partidários que não respondem perante o povo –, a verdade é que os outros desempenhos dos políticos não só não são avaliados – éticos ou técnicos – como, sobretudo, e em muitos casos, os políticos não possuem percursos profissionais avaliados e avaliáveis. Ou seja, o seu bom ou mau desempenho profissional devidamente avaliado não existe em geral, e não existir não constitui uma referência para a generalidade dos cidadãos e, em particular, para aqueles que passarão, para bem da pátria, a ser avaliados.
Honestamente não quero cair na cilada da demagogia, mas custa-me aceitar que políticos como José Sócrates, Marques Medes, Durão Barroso, Santana Lopes, e muitos outros que pastoreiam, pastorearam ou pastorearão no Parlamento nacional e no Parlamento europeu, nos Ministérios, nas Secretarias de Estado, nos Institutos Públicos, nas empresas públicas, na diplomacia, etc., etc., e que nunca tiveram ou exerceram uma profissão, que politicamente, em muitos casos, deviam estar mortos ou nunca deviam sequer ter vivido, andem por aí a propor a avaliação do desempenho profissional destes e daqueles. Politicamente terão toda a legitimidade, mas moralmente não têm nenhuma. E é desta contradição – já para não falar numa outra que os faz defender uma coisa e o seu oposto umas vezes num espaço de anos, outras num espaço de meses ou até de semanas – que nasce, ao menos em parte, uma nova crise que começa agora a tomar forma e que tanto pode terminar – não sei como – dentro em breve, como arrastar-se demasiamente. Pedir muito aos cidadãos quando nada temos nas nossas vidas que possamos apresentar como caução ou garantia, transforma a política de reformas num jogo muito perigoso. Não para os políticos. Apenas para os cidadãos e para a democracia.
2 Comments:
Meu caro,
Dificilmente poderia discordar mais. O seu argumento fez-me lembrar o ataque de Louçã a Portas ("você nunca gerou uma vida"...).
A avaliação do desempenho dos funcionários públicos é fundamental para que quem tem mérito seja reconhecido, para motivar os funcionários a trabalhar melhor, a promover a rotatividade dos piores e, desta forma, a proporcionar uma melhoria da efectividade, produtividade e qualidade dos serviços prestados pela função pública.
Rantas,
Discordo e concordo (neste caso apenas no domínio dos princípios). A verdade é que não consigo deixar de pensar que a generalidade dos políticos portugueses não tem qualquer espécie de autoridade para pedir aos portugueses o que quer que seja. E a verdade é que, bem ou mal, a grande maioria dos portugueses deve pensar como eu. Não acha?
Por outro lado, se alguma vez as medidas de "fiscalização" do funcionalismo vierem a ser impostas, duvido que nos dêem uma melhor administração pública, a não ser que as chefias também sejam fiscalizadas, responsabilizadas e despolitizadas (uma coisa inimaginável). Finalmente, se a administração pública vier a ser moralizada passará a ter toda a legitimidade para fiscalizar a sociedade civil e a extraordinária iniciativa privada portuguesa. E aí é que eu ia gostar de ver. Eu que raramente consigo encontrar uma empresa privada portuguesa que funcione – do restaurante ao café, passando pelas empresas do grupo PT, pelas televisões ou pelos jornais e rádios – e um funcionário médio duma empresa sistematicamente competente e dedicado. O problema da pátria não está no funcionalismo público que não trabalha – o que é parcialmente verdade. O problema da "pátria" está por toda a parte e em toda a parte. E em toda a parte não se trabalha ou trabalha-se mal.
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