segunda-feira, agosto 28, 2006

Farsa e farsantes na política espanhola!

A propósito desta entrevista recomendada por uma nossa leitora (ou leitor) num comentário a este excelente post da Ana Cláudia Vicente, gostava de sublinhar o seguinte.
Em primeiro lugar que se trata de um documento interessante embora repleto de perguntas capciosas – está-se perante um claro embora legítimo e compreensível frete político feito pela jornalista do El Pais e do entrevistado ao Governo.
Em segundo lugar, e apesar de não “conhecer” a Igreja católica espanhola fico, ao ler a entrevista, com várias ideias claras acerca da mesma e dos combates políticos que vai disputando. Por exemplo, a relação da “hierarquia” – supondo que há uma “hierarquia” – com a política actual espanhola – e a sua intervenção nesta – é cortejada não apenas pelo PP como pelo PSOE, havendo no seio da Igreja quem defenda uma e outra opção e quem, eventualmente, proponha uma terceira via. De qualquer modo, e não podia ser doutro modo, a profunda divisão que actualmente caracteriza a sociedade e a política espanhola não deixa a Igreja incólume. É natural, não é original, mas não é bom que aconteça. Ora o PP parece bem colocado junto de grande parte dos bispos, o PSOE, pelo seu lado, anda de braço dado com sectores progressistas e nacionalistas da Igreja – embora aqui partilha a relação com o PNV, o PSC e a CiU. Ora para quem se considera paladino incondicional do laicismo, esta proximidade e cumplicidade merece ser sublinhada. Ou seja, como sempre acontece naqueles momentos em que a política corta a direito pela sociedade, os conceitos e os princípios não passam disso mesmo. Para o PP, para o PSOE, para os partidos nacionalistas e para o clero, o laicismo é apenas um meio para alguma coisa que, no caso, é obtenção de mais poder e/ou de uma nova forma de o exercer numa altura de crise e de mudança.
Chamo ainda a atenção na entrevista para o facto da recente visita Bento XVI a Valência – que tanto pareceu poder beneficiar os sectores conservadores espanhóis – ter sido acompanhada muito de perto pelo Governo e pelos sectores da Igreja católica espanhola próximos deste, sendo que nela – visita – parecem ter conseguido encontrar – e talvez bem –sinais de moderação papal e, portanto, de um afastamento deste e da Santa Sé em relação aos conservadores católicos espanhóis mais irredutíveis.
Por último, destaco a permanente e já cansativa, para não dizer abusiva, colagem que a esquerda espanhola – e também certos sectores da Igreja – faz entre o PP e parte da hierarquia católica com o franquismo. Além de absurda, falsa e imprópria, esta acusação ou insinuação pode sempre ser usada, e às vezes é usada, em sentido contrário, nada contribuindo para esclarecer os termos do debate político espanhol. Ou seja, não poucas vezes a direita entretém-se, assim como parte da Igreja, a acusar a esquerda espanhola actual de ser ela herdeira da violência que evocou, usou e abusou no decurso de, ao menos, toda a história da Segunda República. Mas, sobretudo, o ilógico destas acusações está no facto de não ser possível acusar, por mais voltas que se dê, e por óbvias razões biológicas e de formação política e ideológica, o pessoal que hoje constitui a elite social e política espanhola de ligações com a Espanha anterior a 1976. Isso, no entanto, não significa que erros cometidos no passado não se possam repetir. No entanto, e como dizia o velho Karl Marx, tanto poderá ser como tragédia – tragédia maior diria eu – ou farsa (neste caso talvez a repetição já esta em marcha).