quinta-feira, maio 11, 2006

Em Zuma

O Luciano (bem revindo ao blogues via Insurgente) faz uma série de críticas, algumas delas provavelmente acertadas, à esquerda politicamente correcta e militantemente multicultural, a respeito do caso do ex-vice-presidente da África do Sul, Jacob Zuma. Mas não deixa de ser interessantemente multi-étnico que o juiz responsável pela absolvição de Zuma, seja o meritíssimo Willem van der Merwe. O magistrado afrikaans (mas trajado à britânica, como se pode ver na foto em cima, embora com a lamentável ausência da peruca) decidiu que não havia provas suficientes para sustentar a acusação de violação. (Ainda que tenha aludido ao questionável comportamento sexual de Zuma). Um caso exemplar de resistência ao politicamente correcto. Ou não?
Não colhe, além disso, a ideia de que a elite do ANC está acima da lei. Basta recordar o julgamento de Winnie Mandela. Ou o facto de, apesar da sua popularidade, Zuma ter sido forçado a demitir-se dos cargos públicos e partidários que ocupava para enfrentar estas acusações. E terá ainda de lidar com um processo por corrupação. Zuma está longe, aliás, de ser muito querido entre a elite sul-africana. (Inclusive do presidente Mbeki, a quem esta absolvição vem criar complicações políticas). É precisamente por isso que muitos dos seus apoiantes acreditam num complot.
Os jornais sul-africanos também deixaram claro que a sua reputação tinha sido seriamente abalada por aquilo que confessou quanto à SIDA e ao machismo da sua etiqueta sexual. O que mostra que, apesar de não influenciar, felizmente, os tribunais, o politicamente correcto vai fazendo os seus passos na África do Sul no sentido da politização da vida privada.
Claro que o ANC (por razões que se percebe) continua a ter um peso eleitoral perigosamente maioritário. E há a popularidade, em certas faixas mais radicais e mais marginais da população, do populismo de um Zuma.
Claro que a África do Sul pode explodir se não continuar a crescer economicamente. E, sobretudo, se a nova elite negra e mestiça (e a renovada elite branca) não conseguir redistribuir riqueza eficazmente. Mas, e em suma, o que é espantoso é que isso não tenha sucedido até agora. E que no meio de tanta violência, desigualdade económica e abismo racial continue a ter uma justiça que funciona de forma razoavelmente independente.
Claro que no campo da justiça nós, portugueses, podemos dar lições ao mundo.

11 Comments:

Blogger sabine disse...

«Claro que o ANC (por razões que se percebe) continua a ter um peso eleitoral perigosamente maioritário»- Porquê perigosamente?

11:54 da manhã  
Blogger Ricardo Alves disse...

Eu nunca ouvi nenhum português de esquerda usar a expressão «politicamente correcto» com o sentido que a direita portuguesa lhe dá. E confesso que me parece paradoxal designar por «correcto» aquilo que se considera incorrecto.
Mas parece-me que realmente este caso do Zuma é uma derrota para algo que a direita chama «politicamente correcto» (querendo dizer que acha «politicamente incorrecto»): a criminalização das relações sexuais não consentidas.

2:28 da tarde  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Cara Sabine,
Perigosamente maioritário porque um partido que ganha sempre com maiorias absolutas e deixa a grande distância todos os adversários será sempre muito mais tentado a abusar do seu poder, nomeadamente para se manter... no poder. Desde o PRP no México passando pela ZANU no Zimbabwe não faltam exemplos disso. Que isso não tenha acontecido de forma muito marcada até agora na África do Sul é particular mérito do ANC.

Caro Ricardo Araújo
O politicamente correcto não é termo inventado pela direita. Há toda uma agenda de alguma esquerda que criou e usou essa expressão, começando com o feminismo americano dos anos 60 e 70, no sentido de politizar e policiar a linguagem e os comportamentos, sobretudo nas relações entre os sexos. Que haja relações de poder (e o seu abuso), ou que a linguagem tenha significados políticos nem sempre claros não tenho dúvidas. Mas que seja uma boa ideia prescrever uma novilingua e um novo tabu em nome da libertação sexual já me parece altamente contestável. (Nisso estaremos de acordo).

E claro que concordo que a direita também tem os seus moralismos, linguísticos e outros.

5:07 da tarde  
Blogger Ricardo Alves disse...

Caro Bruno Fragoso Reis,
eu escrevi que a esquerda portuguesa nunca utilizou a expressão «politicamente correcto». Não me referi à esquerda dos EUA. Em Portugal, nunca houve um policiamento da linguagem como nos EUA. É por isso que o uso da expressão «politicamente correcto», em Portugal, resulta ridículo.

5:23 da tarde  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro Ricardo Alves, desde já obrigado pelo Fragoso (e escusas peloa Araújo).

Os debates de ideologias são, em Portugal, em boa parte virtuais, em torno de ideias importadas e que portanto nem sempre traduzem bem a realidade nacional.

Mas o que não ficava claro no seu comentário é que não foi a direita portuguesa a inventar o termo. E seja o termo politicamente correcto usado ou não em Portugal num sentido positivo, há certas tendências para policiar a linguagem ou o comportamento em nome do respeito pelo Outro, por exemplo no caso das caricaturas de Maomé, que me parecem mostrar a sua influência.

Além de que essa referência "histórica" ajudava a esclarecer aquilo que para si era um mistério: porquê chamar politicamente correcto ao que se considera incorrecto? Porque a esquerda militante americana queria corrigir a linguagem, queria substituir o vocabulário corrente pelo politicamente correcto.

8:30 da tarde  
Blogger João Pedro disse...

"Desde o PRP no México"

Só uma ligeira correcção (sem pretender ser "politicamente correcto"): trata-se do PRI, Partido Revolucionário Institucional, e não do PRP, que poderia originar algumas confusões com movimentos de países diferentes.

11:41 da tarde  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro Joao Pedro
Tem razao, claro. Pensei que tinha escrito PRI e nao PRP (o nosso ou outro qualquer). Lapso freudiano talvez.

6:35 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Bruno,

A crítica de palavras da linguagem corrente que veiculam atitudes de racismo, machismo,etc, é anterior à voga do «politicamente correcto». Encontra-se no próprio Orwell que evitava palavras com conotação pejorativa para pessoas de pele escura.
A crítica política passa, inevitavelmente, por uma crítica da linguagem. É claro que no mundo anglo-saxónico o «politicamente correcto» levou a aberrações como querer fazer uma edição da bíblica em que não havia «cegos» e «paralíticos», mas «invisuais» e «pessoas com deficiências motoras». Não se pode negar uma herança literária em nome do concepções actuais. Nem se podem criar tabus a escritores que escrevem obras de ficção ou poéticas sobre conflitos sociais que, obviamente, se exprimem na linguagem.
Sou pela proibição e a favor da crítica. E compreendo perfeitamente que em livros de estilo de jornalismo, por exemplo, se evitem determinados termos. Se a linha editorial de um jornal é anti-racista e a favor da igualdade entre os sexos, por que é que palavras que reflectem essas atitudes hão-de ser usadas pelos redactores? Podem aparecer nas colunas de colaboradores com outra opinião, ou como citação de um neo-fascista. Mas o estilo deve ser coerente com a declaração de princípios.

10:05 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

João,
Em primeiro lugar, vai mais é responder à pergunta que te fiz sobre o Freud. (Se o teu Super-Ego deixar, claro).

Em segundo lugar, claro que a linguagem está sempre politizada. E claro que existe necessariamente, e deve existir (até o Freud reservou um lugar para o Super-Ego, penso eu de que) uma certa censura em relação a determinados palavrões.

O que não deve existir é uma determinação legal (mesmo nos jornais deve prevalecer o bom-senso) no sentido de criar uma novilíngua pura da qual não se pode fugir sem pesadas consequências. Até por que é da natureza desta militância ir mais longe do que o consenso bem-educado reinante.

O "politicamente correcto" é perigoso porque multiplica os tabus, para mais com efeitos retroactivos (como tu sublinhas aliás). É absurdo precisamente porque a linguagem será sempre politizada. É uma totalitária utopia nominalista que parece convencida de que mudando o hábito muda o monge.

Além de que é ridículo, claro (já me aconteceu ouvir norte-americanos a referirem-se a negros britânicos como African-Americans...)

Mas se tiveres alguma sugestão para melhorar a minha linguagem, estou sempre disposto a ouvir, camarada!

12:01 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Bruno,

Sugestão para melhorar a linguagem: «camarada» ainda vai, mas sem ponto de exclamação! Agora a sério: quanto a disposições legais acho que o que existe sobre difamação e injúrias é suficiente.
Eu acho é que em nome da repugnância pelos excessos do «politicamente correcto» não se deve recusar um exercício crítico sobre a linguagem e um esforço em encontrar o estilo mais adequado à visão do mundo que se tem.
Andei à pergunta sobre Freud, mas não descobri. Lapso meu?

10:12 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Bruno,

A não ser que a pergunta sobre Freud seja o «Batota Freudiana?» É que o meu Super-Ego não me deixou mesmo perceber que a pergunta era para mim. Pensei que era o Freud que estaria a fazer batota com ele mesmo ao dizer que «por vezes um charuto é apenas um charuto» enquanto fumava o dito...
O problema em responder a esta pergunta é que, como escreveu Popper, o conhecimento psicanalítico não é falsificável e portanto não cabe na sua definição de ciência. É mais do género «pegar ou largar», embora os resultados terapêuticos tenham de ser tidos em conta.
No caso do meu post é mesmo batota freudiana, pois não tenho intenção de curar ninguém nem de sustentar qualquer discurso científico, mas de castigar os costumes através do riso, como se costuma dizer, melhor, em latim.

10:41 da manhã  

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