D. António Ferreira Gomes (1906-1989)
D. António, há cem anos nascido, pagou com dez anos de exílio, ter escrito, na famosa carta memorial de 13 de Julho de 1958 a Salazar, entre outras coisas:
Na situação presente é quase fatal que o operariado veja, como vê, no Estado o aliado do patronato. [Relativamente à negação por Salazar do direito à [greve] Tenho pena realmente, porque eles [os que reclamam o direito à greve] estão com a doutrina da Igreja.
Seja qual for o conforto ou riqueza que se atribuam a um indivíduo ou a uma classe, nunca eles estarão satisfeitos enquanto não experimentarem que são colaboradores efectivos, que têm a sua justa quota parte na condução da vida colectiva, isto é, que são sujeito e não objecto da vida económica, social e política.
Eu não quero tomar partido pelos excessos do socialismo ou pelo descalabro financeira; [...] mas não posso deixar de pensar que [...] se o equilíbrio financeiro é óptimo, nunca deve deixar de estar ao serviço do homem [...]. Não perco de vista as dificuldades, ansiedades e perigos que as más finanças oferecem por esse mundo; mas parece-me que, através de tudo, se procura salvar um princípio verdadeiro: que as finanças são o primeiro servidor e não podem ser, senão excepcional e transitoriamente, o senhor da Nação.
O Estado que nem sempre estará bastante presente naquilo que é propriamente seu, está sumamente presente naquilo que só supletivamente é seu, como na educação e na assistência para não falar na economia e na sociologia.
[Salazar] parece reduzir a vida política à Administração, tendo em conta (e creio não ser injusto) que esta é toda ou quase toda a ideologia prática da Situação, não pode deixar de concluir-se que o homem não quer pensar ou realizar-se politicamente [...]. Ora a Igreja não pode impor esta doutrina a ninguém, decerto nunca a seus filhos.
Esta negação da livre e honesta actividade política é também uma política; apenas, má política.
O problema enorme, histórico e decisivo é este: pode ou não pode o católico ter dimensão política? Deve ou não deve o católico ter dimensão política? Tem o Estado qualquer objecção a que a Igreja ensine livremente e por todos os meios [...] a sua doutrina social?
Tem o Estado qualquer objecção a que os católicos definam, publiquem e propaguem o seu programa ou programas, poiticalmente situados? Tem o Estado qualquer objecção a que os católicos, se assim o entenderem e quando o entenderem, iniciem o mínimo de organização e acção políticas?
Devo precisar que ao formular estas perguntas, não quero sugerir ou pedir qualquer benevolência ou favor para a actividade cívico-política dos católicos [...]. Apenas sugiro e peço, mas isso com toda a nitidez e firmeza, o respeito, a liberdade e a não descriminação devidos ao cidadão honesto em qualquer sociedade civil.
PS - Quem quiser ler mais D. António, tem aqui a bibliografia, ainda incompleta, que tem vindo a ser publicada pela sua fundação Spes.
PPS - Mesmo a propósito...
1 Comments:
Um artigo muito bem escrito. De referir que o texto aqui transcrito foi retirado do pró-memória e não da Carta a Salazar, como erradamente ficou conhecida.
Afonso F. Gomes
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