quarta-feira, maio 10, 2006

Um caso para Freud


Caro Freud,

Cento e cinquenta anos após o seu nascimento ainda nenhuma ideologia nos salvou e o mundo continua habitado por pessoas que não se sentem bem. As suas ideias envelheceram e no entanto o seu olhar severo permanece vivo. Não se admire portanto que me dirija a si, sem esperar resposta, para me interrogar acerca do caso que opõe Margarida Rebelo Pinto a João Pedro George. Sei que outro juiz tomará a decisão com efeitos práticos. Mais precisamente, uma juíza. Confio no discernimento desta senhora para evitar uma sentença castradora da liberdade de expressão e, mais importante ainda, da liberdade crítica.
Porém, não me darei por satisfeito com a sentença da juíza, necessariamente confinada à aparência dos factos. João Pedro George não interveio neste processo apenas como um crítico literário. Insinuou olhar donde nos olha, caro Freud, ao decretar Margarida Rebelo Pinto um «caso mental». Não passou da insinuação pois, quiçá influenciado por Pierre Bourdieu, recusou a ilusão da exterioridade do sujeito crítico em relação ao sujeito criticado ao declarar acerca da escritora: «despertou o masoquista que há em mim». E acrescentou: «intelectualmente, não tem qualquer interesse.» Qual é, pois, o interesse ou fascínio que levou o crítico enjoado com um livro da autora a ler mais sete, página a página, sublinhando frases como o rasto de um caracol desenha a folha de uma couve ou um banhista deixa pegadas numa praia pejada de alforrecas? O próprio JPG já respondeu à questão: Rebelo Pinto despertou-o para uma vida mais autêntica.
A atitude positivista de Pedro George, de caça aos erros verificáveis e demonstráveis da autora, é desmentida pelo título do livro: Couves&Alforrecas – Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto. Mas que segredos são estes se os erros se encontram à vista de toda a gente? A única leitura do título com sentido é ver nas «couves» e «alforrecas» as imagens de uma verdade oculta no inconsciente e finalmente desvelada. Resta saber de quem é este inconsciente – da escritora? Do crítico? De ambos? Colectivo?
E se João Pedro George se assume como masoquista não será puro sadismo a editora de Margarida Rebelo Pinto acusá-lo de «concorrência desleal»? Permanece silencioso, caro Freud? Quem nos poderá elucidar sobre estes enigmas? Talvez Pedro Santana Lopes ainda nos dê uma achega.

2 Comments:

Blogger Cláudia [ACV] disse...

quando conseguir parar de rir deixo aqui um comentário

11:45 da tarde  
Blogger lb disse...

Excelente!

10:46 da manhã  

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