Os nossos leitores e o Choque de Civilizações
Como o post sobre o choque de civilizações que publiquei na semana passada mereceu quatro comentários – aqui no amigo do povo quatro comentários é muita coisa, mesmo quando dois são da mesma pessoa –, parece-me boa ideia não desiludir número tão significativo de leitores e voltar ao assunto. Com brevidade, espero. Em primeiro lugar quero sublinhar que acho cultura e civilização – conceito discutível – são variáveis sempre a ter em conta e, portanto, também nesse mundo sobre qual todos (ou quase) opinamos e que é o da relações internacionais. Parece-me aliás que as análises realistas são redutoras porque tudo resumem à variável poder. Por exemplo, em Diplomacy Kissinger temperou o seu proverbial realismo com doses razoáveis de idealismo para tornar o seu livro mais consistente e, claro, para que fosse mais apelativo para o público a que se dirigia. Uma mera análise realista da diplomacia vende menos do que uma que tenha a emotividade que apenas o “idealismo” confere. Deste modo penso responder ao primeiro e ao segundo comentador e, pelo menos em parte, ao terceiro.Há depois o problema de saber se sunitas e xiitas são civilizacionalmente a mesma coisa. Parece-me óbvio que sim. No entanto, se aquilo que divide xiitas e sunitas tem uma matriz religiosa e cultural, tem também, e sobretudo, uma matriz política. Ou seja, não é toa, nem foi à toa, que o xiismo nasceu e proliferou na Pérsia (ou Irão) e nas suas fronteiras meridionais. A Pérsia foi secularmente local e fonte de um poder político com características – diria mesmo personalidade – muito próprias. Mas mais importante do que isso para perceber o ponto a que eu queria chegar – em que medida é válido o paradigma cultural como elemento essencial da análise das relações internacionais e que eu tenho dificuldade em aceitar – é presumir que há uma unidade de vistas e de acção entre a generalidade dos países muçulmanos e dos povos islâmicos contra os ocidentais. Ora tal não é verdade. A história do Islão político, assim como a história do domínio ocidental exercido sobre estados e populações islâmicas, caracteriza-se por infindáveis e sanguinolentos confrontos intestinos – o mesmo é válido para o Ocidente. Basta recordar que historicamente o maior e mais violento estado imperialista que dominou durante um maior espaço de tempo populações muçulmanas em boa parte do Norte de África, sudeste europeu, Próximo e Médio Oriente, Ásia Central, não foi nem a Rússia, nem a Alemanha, nem a França, nem o Reino Unido, nem a Grã-Bretanha. Foi a Turquia!
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