O desastre iraquiano
Embora tenha estado, desde o início, contra a intervenção norte-americana no Iraque, a situação actual, que Vasco Pulido Valente descreve aqui, supera as minhas piores expectativas. Explico-me: que uma das motivações do ataque fosse económica – o domínio de importantes campos petrolíferos – não invalidava automaticamente os argumentos anunciados pela administração Bush. Esta perspectiva resulta de uma posição de princípio. Mesmo que me provassem que a entrada dos Estados Unidos na II Grande Guerra foi determinada por razões económicas, eu continuaria a achar que tinham sido atingidos outros objectivos pelos quais valia a pena lutar: o derrube do nazismo com o encerramento de campos de concentração e o fim de políticas de extermínio; a salvaguarda da democracia representativa na Europa Ocidental.
A invasão do Iraque, além de ter sido motivada pelo controlo de fontes de petróleo, foi justificada com três argumentos que mereciam ser analisados em si mesmos: (1) a destruição de armas de destruição maciça que Saddam Hussein mantinha escondidas com as piores intenções; (2) o derrube de um ditador que recorria a métodos de tortura; (3) o desencadeamento de um «dominó democrático» que traria paz ao Médio Oriente. O primeiro argumento era fraco, pois, mesmo que Saddam Hussein tivesse as armas de destruição maciça, nada provava que as tencionava usar contra qualquer outro país e muito menos contra os Estados Unidos e os seus aliados. Provou-se que Saddam não possuía quaisquer armas de destruição maciça.
O segundo argumento cheirava a hipocrisia, pois os Estados Unidos apoiaram ou apoiam outras ditaduras que não se distinguem na defesa dos direitos humanos. O cheiro tornou-se sufocante quando as imagens de tortura nas prisões de Abu Ghraib circularam pelo mundo e após as violências dos militares britânicos. A pretensa lição de superioridade moral do Ocidente tornou-se arma de arremesso de fundamentalistas islâmicos. Segundo declarações atribuídas a Osama Bin Laden, as forças norte-americanas e iraquianas usam agora as mesmas tácticas «bárbaras» de Saddam Hussein.
Quanto ao dominó «democrático», não só não se verificou, como os fundamentalistas islâmicos foram eleitos nas democracias rudimentares do Médio Oriente: o Hamas na Autoridade Palestiniana e Ahmadinejad no Irão.
A violência desencadeada após a destruição da mesquita de Samarra lança uma nova luz sobre o descalabro iraquiano. Estamos perante um desastre, não só face às justificações da intervenção militar norte-americana, mas perante a própria «aquisição civilizacional» do regime de Saddam Hussein: um Estado laico que garantia a ordem pública e a paz religiosa.
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