terça-feira, fevereiro 28, 2006
Este fim de semana revi "O Leopardo", de Luchino Visconti (Nimas, Lisboa), mas, pela primeira vez, no cinema. Ainda há pouco tempo vira, na Cinemateca, "E Tudo O Vento Levou" e os dois épicos sobre o desaparecimento de mundos "aristocráticos" têm semelhanças interessantes. Passam-se exactamente na mesma época (primeira metade dos anos 1860) e deixam no espectador saudade pelo ser e pelos modos de alguns personagens representativos do melhor daqueles mundos "engolidos" pelos acontecimentos. Uma diferença substancial - e que se calhar diz muito da América - é que Scarlett O'Hara não desiste perante a adversidade e sobrevive (na realidade, até prospera) na nova era; já o príncipe de Salina, intérprete da fatalidade siciliana, prefere sobreviver por interposta pessoa (o sobrinho que se coloca bem no novo regime) e "suicidar-se" (pode não parecer escolha dele, mas é: a recusa de um lugar no Senado e os motivos que para isso apresenta tornam-no responsável por esse desfecho). O filme tem cenas inesquecíveis: a entrada da família de Salina na terra e na igreja ou o baile final, no qual o Leopardo tem o seu último momento de "glória" antes de deixar para sempre a cena, quando a noiva do sobrinho cede ainda ao fascínio do príncipe e apaga por breves momentos a vantagem da juventude do noivo. Mas nada volta a ser como antes e o orgulho cede à vida.
2 Comments:
DONT CLICK ME!!!
Ainda não tive tempo de rever «O Leopardo». Curiosa essa comparação com «E tudo o vento levou». Faz-me pensar que foi propositadamente que Visconti - um comunista de origens aristocráticas - não quis contar uma história de adaptação individual a mudanças sociais. Preferiu contar o fim da grandeza aristocrática e a continuidade nas relações de domínio - «é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma». É possível que alguns pontos de vista de Visconti coincidam com os do príncipe de Salina: de certo modo, ambos renunciam ao poder; ambos são críticos da burguesia; ambos partilham uma sensibilidade estética. Os comunistas receberam mal este filme do seu «compagnon de route». Prova de que a grande obra de arte, ainda que trate de política, não se reduz à política.
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