terça-feira, agosto 07, 2007

Conversar...

Conversar é uma forma de sociabilidade indispensável para a consistência da vida em comum, dando densidade ao que é viver em sociedade. Porém, assim como a sociedade sofreu grandes transformações ao longo dos tempos, também "o conversar" e a sua aplicabilidade não ficaram imutáveis. Conversar, hoje em dia, é um conceito e uma prática transformada numa mera banalidade em alguns sectores da sociedade ocidental, não sendo encarado como forma privilegiada para o debate de ideias e para o exercício produtivo das capacidades intelectuais. Na sociedade ocidental é visível o declínio do hábito de conversar intelectualmente, estando perigosamente em extinção. Em vez de se construir uma conversa, articulando o nosso raciocínio no dos nossos interlocutores, analisando argumentos, avançando para novas ideias, limitamo-nos a "trocar ideias", no sentido comercial do termo.... toma lá a minha opinião, dá cá a tua, e já está, tudo fica na mesma. Muitas vezes este fenómeno acontece a coberto de pretensos ideais democráticos, parece querer a todo o custo evitar os problemas e os confrontos, em busca de um consenso que a ninguém desagrade e a todos satisfaça. A consequência desta atitude é desastrosa pois cada vez mais ninguém está para pensar sobre o que os outros dizem, apenas se aceitando ou recusando, sem mais elaboração. E quando as ideias diferem, o mais habitual é uma de duas soluções, ou ignorar as opiniões adversas ou então atacá-las como ofensivas sem discutir os seus argumentos; a agressividade crítica não fundamentada ou o ignorar ostensivo está a tornar-se um elemento comum nas sociedades ocidentais. Discutir ideias, analisá-las, aperfeiçoá-las, modificá-las perante os outros é uma vertente infelizmente cada vez mais rara nas sociedades ocidentais, sendo considerada como sinal de fraqueza das nossas próprias convicções ou crenças. Mas este fenómeno traduz-se, na prática, numa crescente esterilidade do que passam por ser os “debates” de ideias no nosso país da vida política à académica mas passando por quase todos os aspectos da nossa vida. É urgente perceber que o contraditório não é necessariamente uma ameaça, mas antes um mecanismo indispensável para o progresso.

4 Comments:

Blogger Cláudia [ACV] disse...

Caro David,
gostei muito deste teu post. Não consegui pôr isto assim por extenso, como tu fazes agora, mas sinto precisamente o mesmo. Conversar é pensar alto, é definir ideias na oralidade e em confrontação com o outro, num ambiente descomprometido, e cada vez menos se encontra espaço para isto. Não sei se o café - espaço fundamental de conversas - morreu, mas se morreu, que outro espaço o pode substituir?

Um abraço,

12:47 AM

12:50 da manhã  
Blogger LN disse...

Vim aqui dar, quase por acaso. Bem a propósito, con-versar só faz sentido se «andarmos às voltas» com as ideias, as debatermos em diálogos. E as ideias são para discutir, fundamentar, e, em sendo caso, integrar e mudar. Todas são discutíveis (se não, seriam dogmas) e nem todas são respeitáveis. Só debatendo, interrogando, discordando, se desenvolve. :)

1:01 da manhã  
Blogger David Soares disse...

Cara Cláudia,

O café ainda funciona hoje em dia como espaço de sociabilidade, embora ache que por vezes nele não se converse. O problema nunca será o espaço mas a capacidade pessoal de uma abertura à outra pessoa independentemente do lugar. Conversar implica cada um dar de si, ver o verso do outro e isso implica actualmente confiança e disponibilidade descomprometida entre as pessoas, o que infelizmente começa a rarear.

2:26 da tarde  
Blogger David Soares disse...

Caro(a) In,

Bem-vindo(a) a este blog!
As ideias não são estanques, rígidas e fixas e no processo de discussão assaltam-nos as inseguranças, as dúvidas e a falta de fundamentação e de lógica argumentativa. cada vez mais julgo que o processo de conversação, necessário para o tal desenvolvimento que enuncia, deve ser acompanhado por uma componente pedagógica enquanto as pessoas "se refazem" ao conversar.

2:39 da tarde  

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