Ontem morreu Ingmar Bergman (1918-2007). Assisti apenas à estreia do último dos seus filmes,
Saraband, sobre o qual escrevi
aqui e
aqui. Vi a maior parte dos seus outros filmes em peregrinações solitárias à Cinemateca, como adolescente e jovem adulto. Pertenço a uma geração intermédia, entre as dos anos 60 e 70, que discutiu Bergman nos cineclubes e após as estreias comerciais, e as gerações do século XXI que o descobrirão em DVD. Para algumas pessoas Ingmar Bergman terá sido moda e autor de referência. O meu professor de jornalismo no 10.º e 11.º anos, avesso a todas as espécies de moda, não deixava de sublinhar as afinidades entre algumas obras do grande autor e algumas telenovelas. Ou de denunciar o snobismo pseudo-intelectual de algumas pessoas que se sentiam na obrigação de ver e de dizer que tinham visto Bergman. Era de outro mundo que nos falava. Um mundo que a minha geração nunca conheceria em que a cultura era vista mais como uma variação do sagrado do que uma opção de consumo; uma via para obter
status mais prestigiada do que a do dinheiro; um assunto mais sério do que a escolha do lugar onde passar férias. Para mim, Bergman era contra-cultura pura e dura, no contexto da geração
yuppie que era o meu. Era também já o que continua a ser e será, um expoente do cinema e da arte.
Muitos dos blockbusters dos anos 80 e 90 já estão esquecidos. Mas Bergman hoje enche as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo e continuará, enquanto houver espécie humana, presente nos museus de Cinema, nas colecções privadas de DVD´s ou em qualquer outro suporte por inventar. Aquilo que aproximava o grande cineasta da arte menor da televisão - os ambientes intimistas e familiares, os grandes planos dos rostos - poderá ser um dos seus trunfos numa era em que o cinema aposta no espectáculo fácil, ou se enreda na auto-citação, ao mesmo tempo que algumas séries televisivas apostam na qualidade dos guiões, tornando-se objecto de culto de um público exigente. Bergman ficará porque conseguiu revelar o essencial da condição humana usando a matéria-prima mais frágil: o rosto.
Etiquetas: filmes, Ingmar Bergman
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