Alguém questiona que neste país o título de engenheiro é usado como uma cortesia que nada tem que ver com o estatuto na Ordem dos Engenheiros? O
Público descobriu um. Miguel Gaspar que fez parte do equilibrado painel de comentadores com que o diário abrilhantou ontem as suas páginas com
mais um incrível episódio do folhetim "Engenheirogate"! (Eis uma bela tradição da imprensa portuguesa que assim vemos recuperada).
Engenheiro em Portugal é título. Alguém está seriamente a afirmar que Sócrates enganou as pessoas levando-as a pensar que era um grande criador de pontes, um grande mestre de obra, por isso singrou na política? Engenheiro só se for de almas como todos os políticos.
Sócrates fez um ano numa privada para obter um licenciatura que claramente não iria exercer. Isto depois de um bacharelato na universidade de Coimbra muito antes, e um outro ano numa universidade do Estado, sempre com notas razoáveis. E depois, o que é muito invulgar em Portugal, fez uma formação adicional naquilo que entretanto percebeu que realmente lhe interessava: um MBA no ISCTE. Não vejo o que é isto tenha de questionável.
Só quem não anda muito pelas universidades estranhará dificuldades em obter certificados (ou erros e discrepâncias nos ditos cujos). Eu nunca consegui obter um certificado em tempo útil. Isso nunca foi problema nas minhas várias candidaturas. Sucedeu aqui mais do que lá fora, mas sucede em todo o lado: as universidades não são exactamente conhecidas pela sua agilidade. É perfeitamente vulgar, por isso, aqui como lá fora, por exemplo concorrer e obter uma posição pós-doutoral e passarem-se meses ou mesmo mais de um ano antes do grau e respectivo certificado ser conferido.
Nada teria a objectar a uma investigação jornalística. Mas até agora não vi nada de parecido. Ao fim de tantas notícias alguém mostrou algum padrão de favorecimento na nomeação de professores da Independente para cargos públicos? É que mesmo que a Universidade Independente tivesse tido tratamento de favor para com Sócrates, o que seria o mínimo para merecer notícia (e até agora também não vi claramente demonstrado, embora deva dizer que acompanho a questão à distância e sobretudo por via da
rigorosa blogosfera), para ser um caso sério seria ainda preciso mostrar que o teria feito ilegalmente e com conhecimento do próprio. (Embora admita que qualquer ilegalidade puderá ser politicamente fatal para Sócrates, por mais inocente que ele esteja). Sobretudo, seria preciso mostrar que a Universidade ou os seus professores tiveram algum tratamento de favor pelo governo depois disso.
Mas dá trabalho, eu sei. É mais simples atirar barro à parede e gritar censura quando alguém se queixa. Aliás, será possível criticar a imprensa neste país sem desenterrarem esse morto? Isso ainda assusta alguém?
Qual será o impacto político deste caso? É, no fundo, por caricato que tudo isto seja até ver, o que realmente importa. Alguns poderão sentir empatia e simpatia pelo percurso de vida do primeiro-ministro como trabalhador estudante e a sua imagem poderá até beneficiar com a human touch. Talvez. Mas uma parte do nosso comentariato cansou-se do estado de graça e das reformas que não dão resultados já. Aliás criticar tem sempre mais piada e mostra independência. A maioria do país não sei. O que é certo é que um comentariado contrariado e um jornal influente que parece decidido a fazer uma prova de força com o primeiro-ministro poderão fragilizar o governo. E, nessa medida, encorajar as pessoas afectados por reformas difíceis a protestar mais. Não me espantaria ver mais contestação nas ruas, ou pelo menos mais ruidosa. Um círculo vicioso poderá ter começado que destruiria avanços reformistas ainda frágeis ou aumentaria muito os seus custos. Legítimo, sem dúvida, custoso também, provavelmente. Veremos quanto vale um "Engenheirogate" em Portugal.
1 Comments:
:)
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