quarta-feira, setembro 27, 2006

O "Idomeneo" de Berlim: indignação de mozartiano

Pelo que li da notícia no El Mundo , a representação em causa não tem nada a ver com o "Idomeneo" que eu conheço - e que conhecerão os apreciadores de Mozart neste género de ópera "de corte". Na ópera original não entra senão Neptuno e nem este deus pagão é apresentado de forma que justifique a cena ridícula e, sim, provocadora, das cabeças cortadas. O senhor encenador que componha uma ópera sua e deixe de assassinar as de Mozart (o qual, provavelmente, como cristão e maçon deísta – que respeitava as religiões do Livro – não acharia piada nenhuma a este exercício de publicidade barata). Pode haver muçulmanos indignados noutras paragens. Mas aqui há um mozartiano indignadíssimo!

5 Comments:

Blogger JSA disse...

Caro Luís, Mozart escreveu certamente a música para um libreto. A interpretação é feita pelos encenadores. Penso que é isso que tem interesse, caso contrário nem haveria razão para falar em interpretações diferentes das óperas. Pode o gosto ser duvidoso, mas isso não significa que se esteja a "assassinar" uma ópera "de Mozart".

Digo eu.

1:15 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

E porque entram Jesus, Buda e Maomé num cenário com o qual nada têm a ver? E porque se decapita Neptuno e os outros quando nada no libretto o pede ou remotamente o sugere. Na obra original, é prometido a Neptuno um sacrifício humano e é o drama do rei Idomeneo por ter de o cumprir (que, sem que ele pudesse prever, recai sobre o seu filho Idamante) que é o centro de toda a ópera; a intervenção de Neptuno no fim é para, manifestando compaixão por Idomeneo, o dispensar da obrigação que o próprio povo e o sumo sacerdote o querem obrigar a cumprir. Como acaba Neptuno decapitado com este libretto é o que eu gostaria de saber... Não estou a dizer que não deva ser levado à cena; estou a dizer que não foi para essa trama e para essa cena incompreensível - e, repito, de provocação barata - que Mozart compôs a sua música. Convém também saber que a encenação da primeira representação coube ao próprio Mozart e sabe-se, por isso, como ele concebeu o espetáculo (que, neste género, não comporta divisões entre libretto, representação e música, como se fossem coisas isoláveis). Talvez o meu choque se deva ao facto desta ser a minha ópera preferida e me custar ver um fulano qualquer que anda provavelmente à procura de publicidade fácil a pôr-se às costas de um gigante!

2:15 da tarde  
Blogger JSA disse...

Como disse, compreendo que a opção seja discutível. Mas se assim fosse não teríamos visto certas adaptações modernas de algumas obras. Não sendo um homem de teatro (parte por gosto, parte por fatalidade) ou ópera (aqui tenho que confessar que é mesmo só por fatalidade), falo no cinema: teríamos tido Ran (adaptação livre de McBeth, salvo erro), de Kurosawa, se o conceito tivesse que ser levado sempre à risca?

No caso concreto parece-me óbvio que o libretto em si nada terá a ver com Jesus ou Maomé ou qualquer outra religião destas. Mas se o encenador vir na peça um tipo de mensagem sobre religião que possa ser universal, pessoalmente nada tenho contra a possibilidade de adicionar outras, apenas num sentido icónico, figurativo. Não me parece que estrague o prazer da obra.

Mas, reafirmo, esta é a minha posição e compreendo perfeitamente a sua.

2:47 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Fair enough... :)

3:14 da tarde  
Blogger João Pedro disse...

De facto, o Luís tem razão. Dificilmente se veria a impiedade da cabeça de Jesus em pleno Sacro Império; Buda não seria muito conhecido por aqueles tempos, e Maomé, apesar de tudo, era o único que o justificava: o cerco a Viena fora há meros cem anos, se bem que os otomanos na altura não constituíssem uma tão grande ameaça.
Já Neptuno era um Deus, como se sabe, logo imortal.

10:38 da tarde  

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