Se D. Carlos I tivesse rodas...
Não creio que, se D. Carlos I e o príncipe tivessem escapado à tentativa de homicídio, o facto evitasse a I República. O Rei já estava desacreditado e queimado com o governo de João Franco. Nada nos permite supor que, escapando a um atentado, ganhasse um carisma e capacidades de liderança que não possuía. No entanto, quem estuda o encadeamento dos acontecimentos de 5 de Outubro percebe que foi o acaso e a falta de convicção das forças militares em defender a Monarquia que ditaram a sorte dos revolucionários. Imaginemos que não tinham sorte. O 5 de Outubro falha e a monarquia constitucional aguenta-se, mais por acaso do que por mérito. Apesar das fragilidades do regime, a prisão e o exílio dos revolucionários permite-lhe resistir à contestação durante mais quatro anos. Em 1914, espoleta a Grande Guerra. A atitude da Monarquia face ao conflito mundial é de prudência. Esboça uma intervenção moderada, restrita ao teatro africano, que garanta a conservação das colónias. A oposição republicana vê nesta opção uma oportunidade de atacar a «moleza» monárquica e de se legitimar internacionalmente. Faz campanha por uma intervenção mais activa, na Europa. Para se afirmar internamente e reforçar a defesa das colónias, D. Carlos I muda de posição e manda tropas portuguesas, em força, para o centro da Europa.
A intervenção de Portugal na Grande Guerra acentua as divergências entre republicanos moderados e radicais, de inspiração anarquista ou marxista. Em 1917, a Revolução de Outubro, que retira a Rússia da guerra e depõe o Czar, torna-se a grande referência dos revolucionários portugueses. Nesse mesmo ano, ou no ano seguinte, é que a República vinga em Portugal. Trata-se, no entanto, de uma república ainda mais radical do que a histórica. A década de 20 é atravessada pela guerra civil portuguesa. Comunistas e fascistas apoiam as facções em combate. Triunfa a reacção, como triunfou, na história que a História regista, Franco na guerra civil espanhola. Porém, o líder do novo regime não é um académico como Salazar, mas um militar germanófilo, que deve o triunfo, em parte, ao apoio de Mussolini.
Durante a II Grande Guerra, é o líder português que incentiva Franco a alinhar com os países do Eixo. Portugal é atacado pelo seu mais antigo aliado, o Reino Unido. A sociedade portuguesa está exangue no final da II Guerra Mundial. A ditadura portuguesa é derrotada e, num país em cinzas, nasce uma democracia liberal, em parte graças ao apoio dos Estados Unidos e ao benefício em pleno do Plano Marshall. Em 1945, Portugal alinha com o resto da Europa. Descoloniza na década de 60. Em 1985, quando entra na Comunidade Económica Europeia, já tem uma experiência democrática de quarenta anos e descolonizou há duas décadas. Como prometi, após a via sinuosa, o final feliz.
6 Comments:
Deixo aí umas discordâncias. Não vejo o eventual líder português a conseguir incentivar Franco a juntar-se às potências do eixo. Veria antes o contrário, Franco a convencer esse putativo líder a ficar quietinho enquanto se prestava um apoio material. A diferença em relação ao que se viu em Portugal é que o apoio não mudaria, com o balanço da guerra, para o lado aliado.
Segundo: caso Portugal, como propõe, apoiasse o eixo, juntamente com a Espanha, não teríamos uma espanha franquista até à segunda metade da década de 70. Também a Espanha seria arrasada pelos aliados e depois recosntruída pelo Plano Marshall. Possivelmente teríamos a tal democracia liberal (anglófila) em Portugal e uma outra, mais "francesa" em espanha. Em todo o caso, a CEE não surgiria apenas em 85, podendo chegar uns 10 anos mais cedo.
Caro JSA,
Sim, concordo que, nesta História alternativa, a entrada na CEE podia ser antecipada uns bons dez anos. Outra crítica que se pode fazer ao meu texto é que, em caso de derrota militar de uma ditadura portuguesa durante a II Guerra Mundial, os países vencedores talvez não deixassem que Portugal permanecesse uma potência colonial até à década de 60. Seria uma questão quente porque parte da oposição republicana ao fascismo português defenderia a permanência das colónias sob tutela portuguesa, com outra concepção de colonização.
Não vejo mesmo é Franco a convencer o ditador português a ficar quieto durante a II Grande Guerra Mundial. O que se passou na realidade histórica é que Salazar e o seu embaixador em Espanha, Pedro Teotónio Pereira, esforçaram-se bastante para travar os ímpetos belicistas da Falange e manter a Península Ibérica neutral.
Caro João Miguel: "a falta de convicção das forças militares em defender a Monarquia" não terá origem na falta de um chefe de estado com alguma preponderância sobre essas forças?
Obrigado pela citação!
Li deliciado esta ficção histórica. Dava um bom argumento cinematográfico, com potencialidades pedagógicas.
Sou dos que acham que os quase 50 anos de salazarismo estão na origem da actual crise, de que tanto se fala como se os problemas não tivessem raízes antigas.
Aliás, não é costume ver um país que tenha saído directamente de uma longa ditadura para um florescimento rápido em democracia. Talvez a Espanha seja uma excepção, por motivos a que talvez devessemos dar muita atenção.
Caro João Távora,
D. Carlos I não era mesmo um Rei carismático, mas podemos especular se a sua ausência não favoreceu a passividade das forças militares durante o golpe de 5 de Outubro. Acho que a sua presença não faria grande diferença, mas, quem sabe? Afinal de contas, Almirante Reis suicida-se convencido de que o 5 de Outubro falhara...
Curioso enredo, mas não totalmente original. Já o meu avô dizia, no tempo do Estado novo,que a grande desgraça portuguesa era não ter entrado na 2ª Guerra e beneficiado do Plano Marshall e da democratização consequente.
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