quinta-feira, agosto 23, 2007

Uma crise profunda nas Letras

Na nossa contemporaneidade assistimos a uma deslegitimação progressiva da palavra escrita e lida em benefício de discursos dominados pela imagem, a perda gradual de poder simbólico de saberes com tradição na cultura ocidental como seja o caso da história, da filosofia, da antropologia e da literatura, a hegemonização televisiva, a brutal "tabloidização" de uma vida pública reduzida à indigência, a confiança acrítica no carácter redentor de certas ciências e o crescente prestígio de áreas e de carreiras que correspondem a solicitações novas e socialmente prementes como seja o caso da informática, do marketing e da gestão, por exemplo.
Tudo isto originou mudanças no nosso modo de percepcionar a realidade em que vivemos, contribuindo para uma redistribuição de poderes e de espaços de actuação, obrigando a pensar o lugar, a função e os modelos de formação por que se regem as Letras.
Ultimamente, as faculdades de letras espalhadas pelo país parecem ter-se tornado exímias em mascarar com nomes apelativos aquilo que não é senão mais do mesmo, parecendo que as velhas designações já não "vendem", servindo-se licenciaturas com vocábulos mágicos como "comunicação", "multimédia", "animação", "artes", até se chegar a algumas combinações bizarras. Esta ânsia de inovar, mal direccionada, conduz alguns indivíduos em aventuras académicas e profissionais com um desenlace algo duvidoso.
A crise das letras provém de um desnorte social e cultural, pois não deve apelidar-se de civilizado nem culto um país, um povo que não estuda nem investiga a filosofia antiga, a poesia renascentista, a arte maneirista, a literatura latina, os livros de viagens e a história da língua, a crítica textual, as epopeias e os textos historiográficos.
Se adicionarmos a estes factores um poder político tolhido pela gestão do défice que ignora o que de mais denso e estruturante existe na nossa memória colectiva, podemos firmemente afirmar que a nossa civilização, tal como a conhecemos, está a enveredar por um caminho desconhecido e perigoso que ameaça a sua perpetuação.