quinta-feira, maio 03, 2007
É estranho logo ter havido quem tenha saltado para a crise na Turquia como a oportunidade para mostrar que não faz parte da Europa. É verdade que os militares pesam muito na Turquia, mas isso causa-nos estranheza a nós? Afinal, se a Europa fosse assim tão esquisita quanto a processos de transição não nos tinha deixado entrar na CEE em 1985 (ainda tínhamos um presidente militar) até porque não teríamos podido começar a negociar a adesão até 1982 (tínhamos os militares no Conselho da Revolução). Tem a Turquia uma questão de lacismo de Estado algo intolerante? Tem, mas não é propriamente o único país da Europa a tê-la, basta pensar na França, e até há quem, em Portugal, pareça querer ressuscistar o problema. Tem a Turquia um problema de separatismo violento? Tem, mas a Espanha não faz parte da UE?
A verdade é que nos últimos anos, e mais uma vez agora, a Turquia parece ter escolhido o bom caminho para ir resolvendo as suas crises: convocar eleições cuja democraticidade não é contestada. Falta ainda reduzir o peso dos militares, dar plena igualdade aos cristãos locais, cuidar mais dos direitos dos curdos. Mas como é que se ajuda seriamente a consolidação da democracia na Turquia? Pensem em Portugal há umas décadas atrás. É a dizer: a Europa não vos quer porque ainda não são suficientemente democráticos? Ou a afirmar: avancem com as reformas, que estamos à vossa espera? Claro que muita coisa pode correr mal (lembram-se das FP 25 ou a tentativa de golpe de 23 F em Espanha?), mas isso não é razão para desistir já.
O grande problema, na verdade, está noutras questões e está na própria Europa. A Turquia é demasiado populosa e demasiado pobre, tem de controlar o seu crescimento demográfico e reformar a sua economia. Será o primeiro grande país muito pobre a entrar na UE, e isso tornar ainda mais urgente a reforma e o reforço das instituições comuns. Além disso, há ainda o pequeno problemazinha que muitos no Ocidente gostam muito de eleições no Oriente, desde que seja para eleger os "seus" candidatos. Claro que uma democracia não é só vencer eleições, mas os islamistas turcos deram razões a alguém, até agora, para duvidar das suas credenciais democráticas e europeístas? E convém lembrar que a história parece mostrar, desde há muitos séculos, que não há paz duradoira na Europa sem se resolver minimamente os complexos problemas do seu flanco sul. Fazer dos turcos plenamente europeus sem deixarem de ser turcos, sem deixar de ser muçulmanos, eis um projecto digno do século XXI.
IMAGEM: Primeiro-Ministro Erdogan e a sombra de Ataturk.
4 Comments:
A Turquia tem que controlar o seu crescimento demográfico?! Eu diria antes que é a Europa quem tem que controlar a sua regressão demográfica!
O verdadeiro problema da Turquia é: é um país maioritariamente muçulmano. Só isso.
Luís Lavoura
Vox populi: muito bem, excelente texto.
Muito bem.
Parece-me que comparas o incomparável e relativizas o que não é "relativizável". De facto, a Turquia não está na Europa e não é europeia por mais que mereça a minha, a nossa, estima. Aliás a questão é saber se a Turquia na Europa reforça a Europa mais do que a enfraquece e, eventualmente, a "descaracteriza". Para estas perguntas não há respostas seguras. Será, portanto, que vale a pena correr o risco e meter a Turquia na Europa? Aliás, e caso algum dia a Turquia esteja em condições de entrar, será que os turcos vão querer que o seu país faça parte da UE? E com que tratado constitucional?
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