terça-feira, outubro 10, 2006

As minhas dúvidas (IV)

Segundo um tal Gaziel, citado hoje por outro tal Santiago Petschen no Diário de Notícias a propósito do iberismo, "não serão as vontades dos homens mas sim as leis da História que irão alterar a actual estrutura da Península Ibérica"; mas o que são as "leis da História" senão as vontades dos homens?

2 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

"Leis da História" é uma expressão algo datada (hegeliana?marxista?). Mas falar na vontade dos homens como "motor" da História também pode ser algo romântico: são as revoluções a "devorar" os seus líderes, são as guerras que arruinam os que as provocam, são os tratados à revelia dos povos por aqueles afectados, e muito mais...
Mas a dar um sentido à frase desse tal Gaziel pergunto-me se não se trata das questões de geo-política que ele se refere.
Ao contrário das "leis" impessoais, a-históricas, ou das "vontades" de entidades colectivas/actores privilegiados, a geo-política é mais previsível e lógica, por um lado, e refere-se a factores que são, simultaneamente da ordem do natural (o que a aproxima das "leis") e do cultural (o que a aproxima das vontades) sem se reduzir a nenhuma.

5:39 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Meus senhores,

Pode parecer mentira, para quem acredita que a Espanha já não cobiça a nossa independência, mas é verdade.

Depois destes séculos todos tentando anexar-nos pela força, ainda não desistiram. Agora, como não podem invadir-nos militarmente, insistem de outras formas, nomeadamente escrevendo textos como este tentando dar uma imagem simpática do espanholismo, nem se dando conta das barbaridades que diz.
Com que então é positivo aceitarmos a subalternidade da língua portuguesa em relação à castelhana!!!?!! Isto é o espanholismo em todo o seu esplendor! Sempre com o indisfarçável espírito imperialista em todas as áreas, e pois claro, também linguisticamente.

É de registar a referência, mais que uma vez, à “ordem natural” das coisas que é sempre um argumento de peso e cheio de substância, argumento que aliás já serviu para justificar todo o tipo de barbaridades (com certeza o Sr. Santiago Petschen também é homofóbico, uma vez que acredita na ordem natural das coisas…).


O facto de não haver nenhum acidente geográfico que separa claramente o território português do espanhol, ao contrário do que esse Sr. diz, ainda justifica e valoriza mais a nossa independência, que não resultou de nenhum condicionalismo físico alheio á nossa vontade.

E quanto ao facto de estar Portugal e a Espanha na União Europeia, que ele apresenta como factor favorável à anexação de Portugal, é espantosa a sua interpretação. Então em vez de estarmos em pé de igualdade numa união de países, teríamos vantagem em deixar de estar aí presentes para estarmos representados por um país terceiro, neste caso a Espanha, a quem deveríamos pedir que falasse em nosso interesse… A realidade é exactamente o inverso e por isso a Catalunha tem uma delegação em Bruxelas e gostaria de poder tratar sempre directamente com a União Europeia sem ter a necessidade de recorrer ao intermediário estado espanhol.

E quanto a ideias de idealistas tresloucados, estamos conversados; são pura e simplesmente perigosas. Digo mais, se eles queriam isso, é porque não era boa ideia. Aliás, pelo menos um deles, depois de querer isso, quis matar-se e matou-se....

E quanto à converseta com os militares portugueses sobre os castelhanos, constitui um atentado à inteligência de quem lê. A questão não é os habitantes de Castela, mas sim o espanholismo, ideologia imperialista que visa desde há séculos a união pela força de toda a península ainda que contra a vontade dessas nações e dos seus povos. A ferro e a fogo, e actualmente com velhos e desafinados cantos de sereia, pelo menos para os ouvidos minimamente apurados.

Pedro Santos

=========================================================
Diário de Notícias, 10-Outubro-2006 (já tinha saído no "Courrier Internacional" em Port.06-Outubro-2006)
O iberismo


Santiago Petschen
Prof. catedrático de Relações Internacionais na Univ. Complutense de Madrid

As relações históricas de Espanha e Portugal são caracterizadas por fortes contrastes. Por um lado, juntamente com a proximidade geográfica (âmbito peninsular, longa fronteira comum, partilha de grandes rios, base rural similar) aconteceu um forte paralelismo social e político. Devido a ele, Teófilo Braga, já no séc. XIX, descreveu o caminhar conjunto de Portugal e Espanha nada mais nada menos do que como fazendo parte da ordem natural das coisas. Por outro lado, estabeleceram-se entre os dois países enormes distâncias que chegaram até aos nossos dias.

Há alguns anos, os investimentos espanhóis em Portugal e os portugueses em Espanha eram pouquíssimos. Os espanhóis eram superados inclusive pelos belgas, suecos e japoneses. E entre os produtos importados com alguma importância só figurava o leite, por ser necessário na Área Metropolitana de Lisboa. Agora, a Espanha exporta mais para Portugal do que para toda a América.

A ordem natural a que levava a geografia foi distorcida pela geopolítica. O forte controlo da Grã-Bretanha sobre Portugal e o seu comércio e a existência do império colonial do país vizinho - condicionamentos relacionados entre si - causavam entre ambos os países um afastamento notório. Mas quando, em determinado momento histórico, a influência inglesa diminuiu devido às hostilidades entre britânicos e portugueses no Sul de África e as relações ficaram marcadas pelas divergências daí nascidas, o iberismo começou a florescer como criação portuguesa influente em Espanha.

Um poeta como Antero de Quental esbanjou entusiasmo e engenho ao cantar as grandes criações daquilo a que ele chamou a raça ibérica: o seu espírito de independência, a sua oposição ao domínio romano, a sua capacidade de se libertar do jugo feudal, a realização de grandes epopeias oceânicas. E numa ordem negativa, para Quental, tanto os espanhóis como os portugueses se viram apanhados por um mesmo espírito de injustiça: a ambição da colonização.

O iberismo desenvolvido em Portugal originou também um pensamento político. Teófilo Braga estabeleceu um plano concreto de Federação Ibérica em cuja construção a Espanha deveria aceitar condições importantes: organizar-se como República, dividir-se em territórios autónomos formando uma federação, admitir Portugal na dita federação, em que seria assim a maior e mais forte unidade do conjunto, estabelecer em Lisboa a capital da Federação Ibérica.

Semelhante idealismo teria de ter a sua incidência na Catalunha. O poeta Joan Maragall, num artigo publicado em 1906 no Diario de Barcelona, disse que a natureza ibérica, pelo seu solo, pelo seu céu e pela sua gente, parecia a terra prometida para concretizar o ideal de um novo federalismo, já não só político como também humano no sentido mais profundo da palavra. Tempos depois, o jornalista Gaziel escreveu em 1963: "Poucas vezes a insensatez humana terá estabelecido uma divisão mais falsa. Nem a geografia, nem a etnografia nem a economia justificam esta brutal mutilação de um território único." E concretizou a dimensão política do seu pensamento, introduzindo a Catalunha nos afazeres da aproximação peninsular.

Entrados os dois países na União Europeia, a geopolítica não só deixou de colocar obstáculos à aproximação mútua como em vez disso a impulsiona positivamente. Gaziel acertou na sua visão determinante da História: "Não serão as vontades dos homens mas sim as leis da História que irão alterar a actual estrutura da Península Ibérica." Afirmação que se concretiza nesta outra: "A melhor forma de esta evolução se produzir será dentro de uma Europa unida."

É esta a situação que enfrentamos agora. No momento da União Europeia em que os Estados parecem mostrar-se menos solidários que doutras vezes, é necessário que se produzam aproximações geograficamente parciais que poderiam preparar uma cooperação reforçada em todo o conjunto da Velha Europa. Se não for assim, na União Europeia dos 27 dificilmente se poderá conseguir o aprofundamento político. A aproximação acrescenta outras numerosas perspectivas de relação para além da económica.

As línguas, à margem do político e do económico, têm regras de difusão que se apoiam nas suas próprias estruturas. Devido à natureza linguística do castelhano, os erasmus portugueses que chegam à universidade espanhola entendem a língua desde o primeiro dia, sem nunca a ter estudado. Ao cabo de três semanas falam portuñol. E, no final do curso, alguns fazem menos erros ortográficos que os espanhóis mais atrasados. Portugal - em contrapartida à facilidade de se deixar penetrar pelo castelhano - encontra o seu grande campo de influência na Galiza. Os complexos do passado foram superados. E, no âmbito da União Europeia e no das relações transfronteiriças, a aproximação de Portugal à Galiza e da Galiza a Portugal é cada vez mais sólida e profunda.

A divisão de Espanha em comunidades autónomas levou a que o cidadão português votasse receosamente "não" no referendo da regionalização portuguesa. As partes de um Portugal fraccionado cairiam mais facilmente nas mãos das fracções espanholas situadas do outro lado da fronteira.

Há alguns anos, depois de uma exposição que li no Instituto de Defesa Nacional de Lisboa, num português macarrónico, dialoguei com os militares sobre as relações entre os espanhóis e os portugueses e surgiram algumas queixas. Perguntei então: estão de mal com os galegos? A resposta imediata foi: não! Estão de mal com os andaluzes? Também não. Mal com os catalães? De maneira nenhuma. Mal com os bascos? Absolutamente, não. E continuei: os estremenhos, os aragoneses, inclusive os manchegos e os madrilenos. Para com todos os mencionados mostraram os dialogantes a sua simpatia. Só apareceu um cliché, resquício de irredutibilidade, o dos castelhanos velhos. Disse-lhes então: os senhores não têm nada a temer. Portugal e Castela a Velha contam com um número parecido de quilómetros quadrados. Mas sobre a mesma extensão encontram-se, em Portugal, dez milhões de habitantes e em Castela a Velha pouco mais de dois milhões. A estatística, tão favorável a Portugal, produziu no auditório de
sconhecedor do dado uma surpresa. Dissipou-se, com isto, uma percepção errónea.

Já Jean Monnet disse que as dificuldades entre os povos são muitas vezes artificiais. Naquele colóquio, o iberismo utópico de Teófilo Braga tinha sido traduzido para um pragmatismo mais modesto mas mais eficaz. Assim são muitas as relações existentes hoje entre os espanhóis e os portugueses, que, como atesta uma sondagem recente, vão abrindo lugar para uma relação bastante mais fluida.

8:12 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home