terça-feira, março 07, 2006

Che ™


O Che está, ou esteve, na moda na lusablogosfera. Mas fora de modismos virtuais sempre efémeros Che carniceiro é tema interessante e Che ícone também. A par das t-shirts e dos sites ficam uns livrinhos de trabalho.

Gostei muito da biografia nada guevarista de Jorge Castañeda, Compañero. Um texto muito informado e escorreito, nem hagiografia nem demonologia. Explica bem a história da exploração capitalista da famosa foto pelo editor Feltrinelli. Quanto às execuções e outras violências do Che é bom de ler Comandante Che, de Paul Dosal, uma análise de Guevara como guerrilheiro teórico e prático (ele levava a coisa bem mais a sério do que se pode pensar). Dosal afirma que ele eliminou o exército de Baptista não no campo de batalha, pois este em boa parte rendeu-se, mas sim depois da vitória da revolução com execuções sumárias. Portanto muitas das vítimas seriam oficiais do exército de Baptista. Não muito generoso, no mínimo duvidoso em termos das convenções Genebra - de aplicação sempre difícil em guerras civis - mas apesar de tudo algo minimamente militar nalguns desses casos.

Há coisas de que eu gosto no Che. A revolta com a miséria escandalosa na América Latina. A seriedade do seu empenho revolucionário que o levou a não teorizar confortavelmente em Havana a guerrilha, e arriscar repetidamente a pele. Contra, a obsessão com os EUA e o facto de ser um daqueles gajos porreiro, coração de oiro, que é capaz de enfiar uma bala na cabeça de quem achar que se está a desviar do caminho da santa revolução. A sua tragédia póstuma, e a de muitos outros em Cuba e na América Latina, é que a ideia vanguardista de que o fim justifica os meios foi reduzida a nada porque o fim falhou redondamente e só restaram os meios sangrentos.

Che tem as mãos manchadas em sangue? Tem. E, como sublinha Castañeda, ele fazia questão. Numa pouco diplomática e muito cómica visita a Nasser, Che deixou claro que para ele revoluções a sério só com execuções e nacionalizações. Mas na história do comunismo ou do sangrento século XX o seu lugar na lista negra é modesto. E não há apesar de tudo grande clientela para t-shirts do Estaline, do Enver Hoxa, do Pol Pot ou do Mao. Os clientes da linha Che querem chatear o burguês mas não muito. Aliás já não resulta. Ruidosas indignações por causa de t-shirts do Che dariam uma inesperada alegria a estes revolucionários de trazer por casa. Quantos deles estão dispostos a ir para a selva matar e morrer pela revolução? (Qual selva? Qual Revolução? Amigo, isto é um fashion statement!) Quem duvida que Che os denunciaria como um bando de burgueses disfarçados de revolucionários?

O seu estatuto de ícone vai para além do político e parece fácil de explicar. Rebelde bem apessoado com uma causa e poucos meios morre jovem às mãos dos seus poderosos inimigos. Quem é que não viu esta história contada inúmera vezes em camisolas, quadros, cruzes, filmes?

Deixo a terminar um sítio para quem quiser combater a moda do Che na mesma moeda. T-shirt com t-shirt se paga!

5 Comments:

Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Equilibrado, as usual...

7:44 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Ao menos os portugueses não têm só t-shirts, mas também uns selos com a figura de Álvaro Cunhal, que não mandou executar ninguém e deixou as suas marcas na Constituição de um regime democrático...
E ainda Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca e muitas canções de intervenção.

9:31 da tarde  
Blogger RS disse...

Viva Bruno,
Como disse hoje alguém na Antena 2, em democracia não faz sentido ficar aborrecido com as opiniões que divergem das nossas.
Em breve publicarei n'A Sombra um último (?) post sobre o Che e esta polémica (eterna?). Aqui seria demasiado longo.
Já agora, para o J. M. Almeida (comentário anterior), Álvaro Cunhal não foi revolucionário nenhum. E o 25 de Abril foi um golpe de Estado, caso não saiba. Este é, aliás, um dos poucos pontos em que eu e Oriana Fallaci estamos de acordo.
Até breve,
RS

2:40 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

O 25 de Abril começou por ser um golpe de Estado e transformou-se numa revolução. Não me sinto habilitado a passar atestados de revolucionário a ninguém. Não citei Álvaro Cunhal como exemplo revolucionário, mas como comunista e personalidade que marcou a História de Portugal do século XX.
Já agora, parabéns pelo blogue. Também acho que o momento de ruptura em Hollywood no que respeita à homossexualidade foi «Philadelphia», um filme vários pontos acima de «Brokeback Mountain». Ang Lee já fez melhor.

9:55 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro Rui Santos vemo-nos então pela Sombra. Acho que concordamos, pelo menos, que é um tema para se ir discutindo.

E obrigado ao people pelos outros comentários.

8:18 da tarde  

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