sábado, fevereiro 04, 2006
Sou católica, tenho menos de trinta anos e vivo às portas da capital de um país europeu. Nestas circunstâncias, pude habitar a praça da república em pacífico convívio com ateus, agnósticos e crentes de outras confissões religiosas. A nova querela dos ícones choca-me na medida em que prova quão realmente frágil é ainda, no nosso liberal e relativamente secularizado Ocidente, a laicidade. Atente-se, para não ir mais longe, na encíclica Vehementer Nos, centenária dentro de uns dias; ignorá-la, bem como à legislação Combes-Briand que a motivou, é ignorar o facto de que o processo de separação entre Religião e Estado tem sido doloroso e lento. A laicidade, geralmente subestimada ou dada como adquirida, é bem mais que a não-confessionalidade de um Estado: é a construção e manutenção de um espaço social para o dificílimo entendimento entre crentes, e entre crentes não crentes, indispensável para a sobrevivência da nossa civilização. É questão de vida ou de morte. A propósito do centenário da Lei da Separação, no passado ano, João Paulo II dirigiu ao clero francês uma carta evocando explicitamente, pela primeira vez, os aspectos positivos saídos desse momento histórico para a evolução da ICAR. Décadas de negociação e diálogo no seio de um quadro cultural relativamente homogéneo. O que aí vem é bem mais complexo e trabalhoso de conciliar. Exigente. Impossível de prever.
[Foto: Praça da República, Braga, por Salatia]
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