Planos para alianças
Vem isto a propósito de posts de Hugo Mendes em dois blogs que identifiquei há pouco aqui. O Hugo Mendes interessa-se pelo futuro, pelos combates políticos a desenvolver e quer pensar estratégias de coligação para os empreender. E as dificuldades que encontra são interessantes a vários títulos.
De início, haveria que pensar, antes de qualquer coligação, na identificação dos problemas que a exigem. Como bom cientista social, o Hugo Mendes tende a aceitar por bom aquele «eterno presente» no qual a Economia faz papel de ciência absoluta. Sem subestimar a Economia, o presente e, claro, a economia, uma política de Esquerda em Portugal que queira pensar o futuro (é a posição do Hugo Mendes, é a minha), ganharia em notar a persistência de velhos problemas e velhas atitudes nas situações do presente. E em reconhecer que a injustiça é o problema fundamental da sociedade portuguesa, não apenas ao nível económico da distribuição de rendimentos, mas ao nível das oportunidades de vida em geral, em questões de costumes, etc., e que o sistema de justiça português é o maior obstáculo ao desenvolvimento do país. (Claro que o sistema de justiça reflecte práticas sociais, mas a actuação sobre estas deve ser indirecta, através dele, e não por imposição de qualquer agente político sobre as populações.) A lentidão, iniquidade, auto-suficiência e irresponsabilidade do sistema de justiça constituem o centro de gravidade das disfunções mais diversas nos diferentes subsectores sociais de Portugal.
Desta análise ou daquela outra que o Hugo Mendes aceita e privilegia, chegamos à conclusão, velha de quatro décadas na ciência social portuguesa, de a integração nas instituições europeias ser o principal agente de transformação da sociedade portuguesa. Isto é: terá de ser ao nível europeu que políticas sociais, no sentido mais amplo do termo, mudem a realidade política. Isto é muitas vezes esquecido ou subestimado, por ser dificilmente concretizável, mas as alternativas são todas piores. E, tal como no diagnóstico dos males de Portugal, também é preciso uma visão política definida para estratégias a nível europeu. Não basta verberar os irlandeses.
Assim, é neste terceiro ponto que podemos falar de coligações: definido o que fazer (prioridade de problemas) e em que sedes fazê-lo (nacional e europeia), quem são os interlocutores possíveis? Quem respeite o Estado de Direito, quem veja na integração europeia como veículo principal para a modernização social (não apenas económica) portuguesa, quem não adopte uma politica conservadora por convicção ou tacticismo sistemático (pois se falamos de políticas de Esquerda…). No caso português isto limitaria o apoio às políticas actuais ao PSD, e mesmo assim só no caso de este recuperar alguma estabilidade, o que não está minimamente garantido. Assim, o Hugo Mendes (em diálogo comigo, na caixa de comentários de um dos seus posts) fala em possíveis aliados nos parceiros sociais e na elite económica. Ou seja: em trabalhadores e patrões. Sucede que os sindicatos são cada vez menos representativos das profissões futuras e inovadoras, além de a maior força, a CGTP, estar às ordens do PCP; e, do oturo lado, as «elites económicas» são por norma muito mais «elites» do que económicas, pensam muito mais em termos de (distinção de) classe do que em função de racionalidade económica a prazo, indiferentes aos óptimos argumentos e explicações que o Hugo Mendes oferece. Mais surdos, só os «radicais» de extrema-esquerda com que o Hugo se mortifica a explicar o que diz, como se a dificuldade deles fosse cognitiva…
Permito-me uma sugestão construtiva, talvez utópica, mas testável: o aliado natural para essa política tem de ser a imensa minoria que se abstém. Se nas próximas eleições as actuais políticas saírem vencedoras de novo, mas sem a maioria absoluta que agora as sustenta, isso será, todos dizem, o fim anunciado destas reformas. Deixo de parte o profetismo, que nem pensa nas possibilidades que a evolução (ainda no início) no PSD forçosamente trará à Direita e, por arrasto, à Esquerda. O que me interessa é notar que a maior legitimação que esta modernização pode ter reside na sua recondução com diminuição da abstenção, trazendo para a política, para a vida pública, aqueles que anteriormente se abstinham. Há aliados fora das «caixas» já feitas, é a esses que se deve persuadir a caminhar para a Esquerda.
Etiquetas: Hugo Mendes; Esquerda; UE; abstenção
2 Comments:
Devia actualizar as suas informações. Ao que se diz quem deu a cara pelos camionistas foi um conhecido quadro do PSD.
Diz: "o aliado natural para essa política tem de ser a imensa minoria que se abstém" e "O que me interessa é notar que a maior legitimação que esta modernização pode ter reside na sua recondução com diminuição da abstenção, trazendo para a política, para a vida pública, aqueles que anteriormente se abstinham. Há aliados fora das «caixas» já feitas, é a esses que se deve persuadir a caminhar para a Esquerda"; mas como consegui-lo? Como trazer para a politica aqueles que anteriormente se abstinham?
Beatriz
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