quinta-feira, junho 29, 2006
O El Mundo do passado Sábado – versão impressa – trazia notícias que davam claramente sinal de que o poder político – através da polícia e de outras forças de segurança tuteladas pelo ministro do Interior – está, por todos os meios ao seu alcance, a tentar interferir nos actos de um poder judicial que continua a combater a ETA e o seu braço político ilegalizado. Poder judicial esse que continua a investigar, julgar e condenar empresários bascos que aceitam pagar as “extorsões” impostas pelos nacionalistas bascos, ao mesmo tempo que dirigentes socialistas euskeras andam numa roda-viva – como atestam escutas telefónicas chegadas às mãos dos jornalistas – a tentar negociar com “representantes” dos terroristas uma redução no valor dos impostos revolucionários a serem cobrados (ou pagos).
A questão da “interferência”, penso, não merece grandes comentários. Fala por si e diz quase tudo acerca da natureza do actual governo espanhol e do governo do Partido Nacionalista Basco. Mas pode-se ainda acrescentar que a questão da “interferência” introduz mais um importante elemento de profundo mal estar na deriva nacionalista que a Espanha vive desde a vitória de Zapatero nas legislativas. Refiro-me ao acontecimento mais paradigmático dos tempos recentes e que foi uma abstenção a rondar os 50% no referendo sobre o novo estatuto da Catalunha e, como se não bastasse, a promessa feita por Maragall – líder do PSC – de que não voltará a ser candidato à generalitat nas próximas eleições regionais daquela região. Tão elevada abstenção, todos reconhecem, quer apenas dizer que a questão do estatuto – que rompe, de facto, com o paradigma constitucional espanhol de quase três décadas – é, afinal, um problema que interessa, sobretudo, às elites. Aos catalães e aos “espanhóis” – aos bascos, aos navarros, aos galegos, aos andaluzes, aos valencianos ou aos murcianos, entre muitos outros – interessam, sobretudo, a questão do desemprego, da segurança ou da sanidade da economia.
Mas o mais importante é que as ingerências totalmente ilegítimas do poder político no trabalho dos magistrados, a par das cunhas que o PSE – e o PNV – andam a meter junto dos terroristas tentando negociar os valores do imposto revolucionário a pagar por empresários, significa que Zapatero anda a mentir. Isto é, voluntária ou involuntariamente, e antes de que tudo esteja definido do ponto de vista político, os socialistas espanhóis começaram a negociar com os terroristas. Por exemplo, não deixou de ser notado por alguma imprensa o facto de vice-chefe do governo espanhol (Maria Teresa Fernández de la Vega) ter baixado os olhos quando, numa conferência de imprensa, afirmou que não assumiu compromissos com os terroristas.
É natural que os espanhóis procurem a paz interna e acreditem que ela é possível. O discurso apaziguador de Zapatero pareceu poder ser capaz de resolver o problema, não apenas por razões geracionais e ideológicas, mas sobretudo porque parecia moralmente elevado e politicamente eficaz. Simplesmente aquilo que os espanhóis estão cada vez mais a perceber é que o problema nacionalista tem sido demasiado empolado pelas elites políticas de quase toda a Espanha. Por outro lado, têm cada vez mais a certeza de que a paz com a ETA implicará um conjunto de cedências – éticas, morais e políticas – que não estão ainda em condições de suportar. Finalmente, está a entrar-lhes pelos olhos dentro que a suposta e autoproclamada superioridade moral dos socialistas não passa de uma impostura.
Em resumo, se no último par de anos a balança política e eleitoral espanhola parecia pender inexoravelmente para a esquerda, começa agora a inverter-se. Os socialistas, que também embarcaram na questão da revisão do estatuto das autonomias e da negociação com a ETA com o objectivo de transformarem o Partido Popular numa formação essencialmente castelhana, arriscam-se cada vez mais a que o tiro lhes saia pela culatra. O PP, mais tarde do que cedo, poderá voltar ao poder em Espanha mercê de uma por muitos considerada improvável subida eleitoral em toda a Espanha e não apenas nas duas Castelas e na Comunidade de Madrid.
P.S.: A pergunta que dá o título a este texto foi dirigida por Rajoy a Zapatero no decurso do último encontro que tiveram na Moncloa. Zapatero terá respondido que não!
3 Comments:
Um Estado de Direito não pode baixar a este nível. Vamos ver, em breve, os resultados.
"Os socialistas, que também embarcaram na questão da revisão do estatuto das autonomias" com o apoio do PP em Valencia, Aragao, nas Baleares e brevemente na Galiza.
O seu resumo parece-me bastante arriscado mas vamos ter oportunidade de saber se realmente o PP vai subir muito já nas próximas eleiçoes para a Generalitat de Catalunya. Eu até apostava que vai descer e nao deve passar dos 9%.
É possível, e talvez inevitável, que o PP desça tanto na Catalunha como no País Basco. Ver-se-á. Porém, parece-me que irá subir nas restantes comunidades autónomas (embora tenha dúvidas quanto às Canárias e à Andalusia). Como calcula ainda restam muitas. De qualquer modo, a subida do PP dependerá sempre das suas artes e dos erros do PSOE, já para não falar do desenvolvimento das negociações com a ETA.
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